11 novembro, 2009


Tempestade

Quem abençoará
Os quatros ventos,
Conjurando-os a que se tornem brisa?

O guarda na fronteira
Com sua mira de miragens
Matando o tempo?

O pastor com o livro-caixa
Debaixo do braço
Procurando seu rebanho amaldiçoado?

O pescador com ferrões das fúrias,
No barco do deserto,
Blasfemando contra calmaria?

(P.Cruz)

29 outubro, 2009

Pássaro é árvore

Encontrei um pássaro em agonia caído no chão da varanda de inverno. Chocou-se contra a janela. Suas asas vestidas de sangue e vidro. Esvaia-se no ladrilho colorido em mosaico de geometria em cacos; iluminado pela luz que escorria do contorno vazio da forma moldada no vidro estilhaçado - facho em foco - sólido cheiro de sangue.

Um pássaro negro que eu desconhecia. Quase feto rompido do ovo, mesmo que em aparência não o fosse. Um borrão no chão, letra quase ideograma, talhe rupestre, signo jungiano, quase folha negra que tentasse a vida em estertores cômicos. Lenço negro caído do traje bege de linho gala do senhor francês que pinta negras. Faixa de luto caída do braço do velho escravo liberto com seu terno amarrotado cheirando a navio e mar.

O pássaro a morrer. Coração pulsando em extremo, fugindo da calma da morte.

Tomei-o nas mãos com cuidado. Abriu as asas tantalizando vôo inútil.

Meu gato observava por detrás de óculos enormes de aros sem lentes.

Morreu.

Plantei-o no jardim e todos os dias rego seu tronco de carvalho que voa ao céu, inusitada árvore. É meu totem, pacto com o inesperado. Árvore-pássaro que de noite, nos sonhos, decifra aves, vôo e sementes.

(P.Cruz)

25 outubro, 2009

Teia quântica quase

Um objeto, palavra, substantivo, sentimento, idéia, não sei. Têm coisas que são coisas sem palavras, forma, cheiro, sabor, cor peculiar, ignoro. Como descrever isso que não é. Nem sei se compensa tentá-lo. Ocorreu-me algo se movendo sinuoso sob o chão sólido por instante líquido. Um azul de céu claro sem nuvens, se movendo como se fosse ventre parido que se espreguiça. Um verbo sem ação existindo sempre, na fronteira do tato, a quase toque ou roçar de pálpebras sonolentas.
Algo que se esconde meio sono, sonho, vigília ou mente zen alerta. Parece que tem alma sem tê-la, isso é certo. Um meio entre pergunta e resposta na ponta da língua que não vem. Se movendo na mente como surpresa que tarda, se atrasa indefinidamente.
Existe a quase alegria, saudade, de alguém sem identidade, nome, ou olhos sem pálpebras. Não chega a ser névoa, pois quê, mais pesado. Não flexiona em gênero, cardume de fogo, luz ou imanência. Dar-lhe palavra é negar-lhe. O nome é sua morte, um signo sua negação. Suave como giletes agudas e doce como o gosto do ar na fome.
Descobri sua não existência existente numa tarde de maio, apesar de, já bem antes, desde muito sem que eu soubesse, saber-lhe a ausência.
Está sob tua pele, sob a palavra pele, quase no tecido do medo, entremeado na epiderme da compreensão. Ali próximo, onde a morte se acasala com o riso e pare o tempo suspenso.

(P.Cruz)

19 outubro, 2009

Seringas sibilo de balas

Não sei por que você afirma que Bach não é melhor que Wagner e suas Walkirias cromáticas. Ou que o trompete limpo de Sir Daves Jr, Miles é menos expressivo que a fase do trompete metálico elétrico, ou que Cassandra Wilson tem a boca suja próxima ao ouvido de Chet Baker sussurrando frases de banheiro e seringas.

Faz-me rir ouvir que Satriani tem mais nós nas juntas dos dedos que uma corda macia de Joe Pass, pois me parece que Horowitz é quase Deus e o Menezes do cello é quase anjo banido do paraíso para a caatinga de bois, paus e pedras.

Ouvi de você, certa feita, que Teresa Salgueiro é paixão avassaladora a se doer quase como a expressão mágica do John Willians de Alhambra.

Disse-me um parvo – claro, não você - que a dor tem som do movimento primeiro da Quarta Sinfonia do surdo Beethoven e coração batendo no ritmo das bombas francesas explodindo na sua cabeça, e isso é um riso esgarçado de triste troça.

Nada disso apreendo nas notas da música, a não ser o vagar humano da vida através de sons combinados. O ritmo é o espocar monótono das armas pesadas dos morros do Rio ou a corda única de Nana Vasconcelos a não melodia de João Gilberto o Uakti de vidro em cacos. Ritmo é Charles Mingus e a caixa de fósforo de Nelson Cavaquinho.

Minha amiga me disse que música é fuga do real.

A mim me parece o contrário quando estou a ouvir Sir Coltrane, John e suas ampolas cheias de chaves e agudos crus e graves de gengivas quebradas e maldição branca.

É claro que letras de músicas cantadas de mar e caipira na língua de Vinícius não é poesia. E deveria? Quem se importa com uma só nota repetida de Beethoven ou num samba de nota só vagabundo ou com os rios de métrica de Camões, fábulas de Homero, ou metáforas de Pessoa? O tinir da moeda no balcão de pedra do bar da esquina, os passos de salto alto na calçada, o sibilo de balas riscando metáforas na janela do MoMA?

(P.Cruz)

13 outubro, 2009

Clara na Siciliano

“...Era o vazio o que me esforçava por saber. O inanimado das estantes, luzes, máquinas, quadros, fotos enorme de escritores estrangeiros, cartazes de marketing.
Numa outra dimensão talvez não existíssemos, ou só fonte de calor, magnetismo, energia psíquica, cheiro. A loja é sólida, semivisível ou invisível a nós. Pertence à outra ordem de eventos que eu procurava apreender.
Isso a respeito de uma conversa com o Carlos que me disse que era realista, só enxergava a realidade, com os pés no chão. E eu tão névoa, ectoplasma, vendo o bom das coisas e das situações, o que certamente era tolice da minha idade, apesar de estar um pouco alta por cima de um salto imenso pisando o éter da caipirinha de vodka no meio da tarde.
‘O senhor procura alguma coisa?’ disse a vendedora ao homem que o tempo todo me comia com os olhos. ‘Não, nada’ disse voltando pra ordem real das coisas e pra moça, acho nissei. ‘Algum livro em especial?’ com expressão indisfarçável de número de vendas. ‘Se precisar eu falo!’ - convencendo-se a não trair impaciência. ‘Meu nome é Clara, qualquer...’ alguém chamou e ela foi atender, completando a frase com um gesto como se ele entendesse o resto. No terminal de consulta encontra: - A Ascensão de Prometeus! Robert Anton Wilson! – lê em voz alta, - Ana ainda deve amar o Jorge. Velhas lembranças... – falando sozinho pra tela que cheira a queimado.
Acho que gosto como ele me olha. Sinto seu olhar passear pelas minhas pernas, coxas, bunda... Nossa que coisa sem nexo.”

(P.Cruz)

10 outubro, 2009

. . . 1

Prá que precisa
O poeta de poesia?
Se a vida,
Com mais valia,
Discorre em versos
A morte que se
Anuncia?

(P.Cruz)
. . . 2

De quê se queixa
O poeta ao tempo?
Todavia tarda-se
O que seria.
São os riscos rimas
Efêmeras,
De que o poeta
Se faz sem poesia?
Se desfaz em rima
O ritmo, a quadra,
O decassílabo
A palavra
Perdida?
De quê suor de pedra
Faz o poeta
Vida?

(P.Cruz)

19 setembro, 2009

Ergo Ego

Seu amar
É pó,
É vidro,
É fácil,
É dócil.

Seu é o arco-íris,
Tempo de jogo.
Seu amor é físsil.
Seu amor é físico.

Seu cantar é mudo,
Seu é o absurdo,
Sua a vingança,
A moral do medo,
Seu caráter nulo,
A violência é sua
Atitude e desprezo.

Seu todos os riscos
E perigos.
Seu destino sorte.
Seus são os corpos
Usados como abrigo,
Seus os mortos
Deitados no futuro,
Seus sonhos
Não são assim
Puros.

É sua a tortura,
E seu todos os tiros
De misericórdia,
É a sua podre aposta
E estilhaços
Que ferem amigos,
E seus os lábios
Pintados de mentira
E esse beijo
Óbvio.

(P.Cruz)

16 setembro, 2009

Gregos

Torsos nus em redobrada tensão
Músculos nós duros.
Cabo de Guerra.
Corda imensa, marmanjos,
Braços rijos,
Coração pesado,
Dentes cerrados,
Respiração funda mar.
Corpos em convulsão.

Corpos em declive.
Nervos a romperem-se,
Veias a liquefazerem-se.
Homens imensos
Em combate de força
E masculinidades.

Cabo de aço,
Não queda de braço
Ou capoeira lançada,
Climatério precoce.
Explosões de espermática
Performance.
Gregos lineares.

Mãos sem pele.
Corda pênis em partilha.
Nervos de aço.
Veias expandidas a
Limites máximos.

Torso arqueado,
Cintura dura,
Coxas base,
Pés de chaplin,
Cicatrizes.

O equilíbrio quase eterno
Agora se parte.
Não a corda de aço rompida,
Ou cordão umbilical de prata,
Ou distensão do músculo,
Afrouxar de nervos,
Honra ou
Laço de seda verde.
Parte-se
O macho ao meio.

Pênis fracionado:
Urros num lado,
No outro gozos.
Passivos e ativos,
Plural e singular,
Vitoriosos e escravos,
Submissão
E fantasias
De onipotência e
Gemidos curvos.
Joelhos na terra postos,
Arame farpado na mão
Onde antes havia
Corda
De aço.
Cabo de cartilagem esgarçada
E nervos quebrados.
Vontades vencidas,
Catarse fimose,
Ovos esmigalhados,
Potência fecundada.
Gregos estetas graves.

Medula e barro,
Queda e leveza,
Ferro e ave,
Território perdido.
Corpos arrastados
Em poses esquizofrênicas de testosterona
E bocas secas.

Cérebro uno
Que látego lateja
Em mergulho
Contra superior
Força e bramido
Macho.
Músculos ou murchos.
Máximo ou micha.
Bicha ou bicho.
Projétil ou reto.
Ereto ou caído.
Alfa ou ômega.
Mega ou mínimo.
Grávidos, fecundos.
Gregos de proporções exatas.

Abraço.
Corpos em abraço
De vencidos e derrotados.
Lágrimas vertidas
Em mágica:
Invisíveis.
Braços em amparo.
Soluços no peito
Alheio.
Fracasso.

Peito contra peito.
Braço a braço.
Olho no olho
E brilhos.
Gregos de Esparta
Guerreiros de aço.

(P.Cruz)

11 setembro, 2009

Espelho

É belo esse animal que agoniza,
É bela a morte desse animal
Corpo de leão,
Asas de anjo,
Cor de lobo,
Face de menino.

Ele não sabe o que agora sabe:
A vida se dissolve em dor,
Toda vida bela todavia efêmera.

Esse animal que agoniza e morre
Escorrendo substância de crença,
Sentimentos irreais,
Não se apegou o suficiente
À terra, à luta, à guerra,
À mente, a indiferença.

É um animal belo, e só.

Esse animal que foi criado
De fábulas, poesias, sonhos,
Desaparece da memória
Sem deixar vestígios.

É um animal triste e belo,
Feio e velho,
De pelos ralos,
Força vaga.

É um animal do qual
Pede-se misericórdia
Ou morte rápida.

Agoniza, e só.

A natureza o decanta,
Obsoleto.
Não habita esse tempo.
É arcaico, fútil,
Redundante, belo inútil.

Dos seus olhos de águia
Pedras túmulos brancos
Cruzes de ferro,
Pássaros entalhados em vôo.

Do corpo de leão
Farás tapete de pedra
Queimado
No sol do tempo.

Das asas de anjo,
Panos pobres trajes puídos
Com ossos à mostras,
Farás estandartes e roupas
De solidão e festas.

Da cor lobo
Que habita o coração,
Dirás invisível
Palavra que seja.

Da face de menino
Farás a máscara do
Xamã louco
Vestido em pele de leão,
Com olhos de águia na fome,
Com asas arrancadas às horas de fúria,
Com coração de lobo uivando a cor dos mortos,
Conjurando cavalos em fuga,
Se escondendo do sol
No viés escravo do dia
Entre buracos das horas
Em que o silêncio
Pronuncia sentença
De crueldade e força bestial.

(P.Cruz)

15 agosto, 2009

Atlântico III
Estamos
A esconder planos.

Asas-delta pelo Atlântico
Num kamikaze raso.
Rasgos mútuos
Estragos vários.
O fim adiado,
O confronto decisivo
Deixado sempre de lado.

Não há regras,
Árbitro,
Arco que retese e distenda
Gesto ódio vago.
Restos de beijos
Rentes a nada,
Raca
Ao toque de lábios
Em insídia consumada.

(P.Cruz)

30 julho, 2009

Tiro

Voa condor de tiro:
Estampido no ar.

Flecha em queda.

Ah, se isso fizesse senso
sentido ou
baque surdo.

Cai condor da TV
No chão,
Cai da TV no teto
Do carro,
Da TV no colo do
Mágico.
Cai o mágico,
Condor,
Na TV de sábado.

(PCruz)

29 julho, 2009

Dia a Dia

Mais um dia.
Um por vez.
Um de festa
Um da lei
Um de sonhos
Um talvez.
Um de reza
Um de guerra
Um da bela
Que não tem um tempo
De ser ela.
Um de raiva
De calma
De caos
De causas
Sem causas.

(PCruz)

22 julho, 2009

Neural

Nafta -
Cheiro sampleado na indômita
Parelha de peixes
Agonizando na neve.
E trenós de ossos
De profetas.
E bruxas paleolíticas.

Brâmanes e mahatmas
No brinco do pirata.
Morfina
Endemias
Merecimento.

Asininos,
Albinos, anões e goma arábica.

Pintor de arabescos nagô,
Hipnoses,
Memória
Neural akasha.

Carregamento de crânios,
Flores
Filamentos ligam
Linga
Flaps e água.

Máscara de abóbora,
Lata de conserva
Coração em calda.

(PCruz)

20 julho, 2009

Diamante

Sobre teus lábios escrevi
Pedra flor muda.


Sobre teus versos escrevi
Dor céu sobre

Dorso nu.

As vezes é estar
Sem pedir ou dar braços abertos

Nu.

Sobre teus lábios escrevi
Verde em baixo violeta,
A língua a triz do gosto,
Olhos rosas pintados
Na pele,
Transparentes unhas
singrando diamante

Filete.

(PCruz)

14 junho, 2009

Cavalos de Théodore

Desisti dos desenhos e dos poetas franceses. Está tudo muito caro e claro. São desejos e poderes. Hoje não há França, Paris, museus, cafés ou jardins. Há o frio.
Desisti dos cavalos de Théodore e suas faces eqüinas humanas. Nada de cartão postal ou perfumes que não sejam das putas tristes paridas, narcotizadas, de sorrisos sobre suores de corpos muitos, anônimos.
Desisti idem, de tapetes persas ou narguilés. Turquia à margem da Europa. Deixei o fado, Pessoa, ou cá Buarque. Abro meus livros e estão em branco. Se esforço-me para ler parem clones de formas e sons correspondentes. Numa palavra: POLÍTICA.
Nos livros. Numa página: POLÍTICA.
Desisti da casa de campo, datcha, choupana, haras, castelo de cartas.
O morro está vazio. Nu, nem ventos sopram, calor, frio ou pássaros. Só a pedra do eco no vale abaixo e a palavra: TUDO.
Desisti do jardim de inverno, prazeres, jardim de Alá – perfumados ou de assassinos que se parecem com virgens negras ou poetas que rodam com o sol e planetas.
Ando descalço. Necessito das pedras da idade madura da razão.
Desisti dos sonhos. Decifrar o real é tarefa árdua. Andar por labirintos atrás de Borges já é tarefa grave.
Desdenho prazeres e dores. Inda vinho: sóbrio. Correto e rijo como o mar longe e inacessível.

(P.Cruz)
Beatriz de Dante
Me convidastes para passeios no Inferno. Fui.
Seduzido, deixei-me levar pela mão da beleza. Acessibilidades? Suscetibilidades?
Agora me olho no espelho. Eu e este homem estranhamente só. Inexplicavelmente só. Amedrontado com vazios na alma onde antes havia suavidade.
Concluí-se que o real é a imagem no polido vidro com arabescos nos cantos e irregular superfície.
Não há possibilidade de fuga. Fatos, não sonhos. Branco e preto sem cor intermediária ou nuances.
Estou calmo. Respiração e concentrada intenção mental. Roupa de letra e gramáticas em envergonhada pose despojada.
Não necessito pedir socorro. Nem da mágica de signos projetados na minha face ou letras atadas na ponta do lápis descrevendo o indescritível da vida.

(P.Cruz)

03 junho, 2009

Zero

Minha Magnum 45 nem pensar!
A Uzi tem defeito,
A tecla de gatilho só liga favores.
Minha besta e flechas certeiras
Pronta para
errar alvo é de brincadeira.
Esqueça armas.

Livros espalhados pelo cômodo.
Versos que não guiam seu destino.

Meu MP4 meio travado,
E mesmo com as janelas fechadas,
Se toco uma música no volume baixo
Parece que o mundo está aos pedaços.

(P.Cruz)
Louras?

Morenas me foram dóceis,
Louras cruéis,
Negras trágicas.
Louras falsas: falsas.

Intensas carnais,
Instintivas: todas.
Tolas as que amaram
No meu corpo
Ausências e sombras.

Intensas em minha
Cama
As etéreas de substância
Noite.

No beco da noite
Algumas foram
De crueldades tolas:
Louras.

(P.Cruz)

13 maio, 2009

Esquadro

Bumerangue de alabastro,
Esquadro granítico lançado
À um triz
Do espelho vôo de pescador martim
À flor d’água trajetória elíptica
A fio dos caniços revoada
De mosquitos caótica.
Cordão umbilical de plug
Acoplado ao plácido dos
Peixes olhos
De vidros
Violetas vítreos.

Meu australiano objeto polido
Lançado mãos ângulos
Flamengas elipses
De sibilo no ar,
Corte cirúrgico laser.

Eu meu bumerangue
Que explode
À nata aquosa,
Régua risca,
Reta à pele fria úmida.
Bumerangue
Coração imprevisível
Aliciando pérolas frígidas
Aeradas de vazios
Sem longe volta onde vais?

(P. Cruz)

01 maio, 2009

Sentenças para te definir

A borboleta molhou as asas na luz.
Teu coração é uma caverna sob os degraus da igreja.
A bola de bilhar vermelha caiu pena sobre a ardósia.
Tua mente é casa velha sem janelas e portas.
A dançarina cega deu as mãos a um fantasma.
Teu riso é graça, traindo amor na feiúra.
As cordas de cabelos soaram cravos e rosas.
Teu espelho é ferro e tua lança vidro.
A uva negra na taça rubra evaporou-se eloquência.
Tua boca é poeira e outras mortes.
A bata do padre roçou íntima a lingerie de seda da moça.
Teu pesar é estrela caída no fundo azul da piscina.

(Pedro Augusto)

Dez sentenças para te indefinir:

- Me vesti como noiva, num país que é sempre futuro, para ver renas abatidas na neve. Sou caça.
- Toquei teu ombro com a espada de chicote, teu coração paira no ar entre a queda e o termo da ampulheta. Sou indiferença.
- Beijei teus lábios e choveu a tarde toda. Sou a cicuta doce do filosofo.
- Mirei com meu arco flechas que eram pedras caindo no vácuo. Sou sêmen.
- Ditei às estrelas o que transcorria na varanda entre o lobo e a lua. Sou nostalgia.
- Amei tua beleza negra e tuas unhas se molharam na pele da lógica. Sou inconstância.
- Gritei aos morros que se fizessem cama o que diria a ângulos planos e ao vértice curvas. Sou teu coração.
- Quis-me. Sou antítese.
- Quedei-me. Sou consciência.
- Curvei-me. Sou crueldade.


(Pedro Augusto)
Versos

Nesta folha em branco não sei fazer o que estou de lembranças. Não sei desenhar o que não tem significado, sentimento ou forma. Mas, se deixá-la em branco, meu mestre espírito pensa que esqueci as letras e estou a perder memória. Então as combino, aleatoriamente. E o sentido alguém que lê lhes dá como quer: pode ser amor e não o ser, ou flores, sonhos, pessoas; ou a página é o negro das letras e o branco versos que me descrevem com letras embaralhadas ao acaso.

(Pedro Augusto)

26 abril, 2009

Lago Paranoá

Pássaro azul que voa no espelho do lago
num dia de enfado.
Pássaro no meu copo de cristal e gelo
num dia de tédio e desvelo.
Azul de ave na blusa dela,
pássaro nos olhos em duplicidade
de partenogênese.
Azul ave contra nuvem
é trovão e raio no lago repentino
de pele eriçada soprada por vento frio,
ondas nervosas quebrando espelho,
dissolvendo o azul em chumbo.
Pássaro azul que voa, não caia, por favor,
não caia.
Não agora que o lago encrespa áspero
e pode estilhaçar asas.
Não és albatroz nem pelicano,
gaivota nem mergulhão ou anjo,
nem invencível azul de pássaro.
Não caia.
Não faca n’água rompendo
o silêncio do vento, não caia
nesse repente de alento
zero.
Pássaro azul cuida que a água
é robusta afiada pedra. Fagulha.
Azul de nave não caia chumbo nesse
contorcionismo esquisito de parafuso
sem preâmbulo de novo planar
alto de outros planos e rotas
de vôo.
Avião pássaro avião azul de pássaro
avião suba, arremeta de vôo seta ao céu
não ao chão
de água em fogo, ferro, explosão.
Pássaro azul não caia nesse desvão
de espíritos em revoada de morte
e escuridão.
Pássaro anjo nessa queda inexpressiva
do céu ao inferno banido
por deus do paraíso
rumo ao fogo do petróleo em combustão,
água que inflama a tarde de eterno pesar avião,
não caia.

(P. Cruz)

21 abril, 2009

Milagre

Milagre é nome de flor,
hortelã,
alcachofra, romã,
graviola, cravo,
maçã.
É nome de pai, filho,
irmã,
menina mãe
moça na roça
de ray-ban,
sandálias havaianas,
calça de lycra,
barriga nua
e ‘walkman’.
Milagre é sol
de toda manhã,
silhueta de nuvens
cobrindo casas.
É seu nome nas pedras,
sua voz nas plantas,
sua ausência no afã das horas,
seu cheiro na pele da lã.
Milagre é divagar no divã
ouvindo a droga do Freud,
na mente a nudez de Iansã,
a ânsia lânguida de me estirar
num bordo de praia
com o corpo de vento e brisa,
a mente insana in corpore
sano.

(P. Cruz)

15 abril, 2009

Barbie Brasília (2)

Por mais que não queira
brincar com o estojo de maquiagem,
vestidos de Barbie,
a mansãozinha no lago,
a egotrip movida a antidepressivos,
bulímica, magérrima,
cruel com o espelho,
chorando escondida no banheiro.

Por mais que queira guardar
na valise negra dólares falsos,

sonegados,
andar de bike na Júlio Adnet,
cotar o quanto

vale o coração
na bolsa, a alma
em velocidade contra
o sinal fechado
crachhkcaboooummzuumbaanng!!!!
(Estilhaços.)
Por mais que não queira
voar de encontro
ao poste vermelho
do semáforo.

(P. Cruz)
Dono da Barbie

Por mais que não queira
fazer papel
de palhaço (estilhaços – zummm... crack)
é um pobre diabo,
fadado ao sucesso mágico,
seu destino é o topo mais top
o céu de aço,
a presidência do Conselho,
enquanto escondido se olha
cruel no espelho,
chorando só no banheiro.

Por mais que queira
não ser é um
pobre diabo podre de rico,
com o coração no semáforo,
dentro da lata destroçada,
no espelho da Barbie
em cacos,
no olho da perda
irreparável,
recolhendo os pertences
espalhados no caos do carro
prestes de ser guinchado
pro nada do asfalto.

(P. Cruz)

07 abril, 2009

Negra

Morango avelãs e amoras
alvéolos bicos doces
negros, “nipples” tesos.

À gosto te gosto,
provo ocre pétala sal
vale em meio a morros.

Agridoce, lambidas ávidas,
boca à boca rente
entranhas, fomes, dentes.

(P. Cruz)
Lei

A mulher Noite veio a mim com seu conto de sombras e sorriso de ébano... Trazia na coleira de estrelas um cão de olhos brilhantes e um colar de almas - diamantes incontáveis como poeira cósmica. Deu-me um bracelete e uma semente.
A semente atirei aos corvos e ao arcoíris que brilhava nas suas asas.
O bracelete guardo pra dama púrpura que me chama de esquecimento.
Quando as margaridas se abriram no meu diário de estatísticas e probabilidades, e o acaso determinou que não seriam flores, mas vento, um mestre parvo trouxe minha luva e falcão condenado ao vôo.
Foi então que Michael me gritou com asperezas, espadas e rosas, e tornei-me perplexo, se algo assim se torna.
De modo que estou no que passa a se perder na história, e escorre na pedra e pousa à flor d’água como negra flor alquímica de branca a azul e multicolorida - a qual dei nome de asas de beija-flor.
Ouvi o choro do recém-nascido envolto em linho branco e pousei-o no colo da mulher Noite - que lhe deu o leite das galáxias em fogo e indicou-me a porta do céu além da qual era preciso que eu me desse a desejos, amores e disciplinas axiomáticas. Assim defini a Lei:
- A Lei carece de senso!
O menino largou de imediato o seio e colocou o indicador da mão esquerda sobre os lábios num gesto de silêncio e o cão da Noite arrastou a corrente e olhou-me com olhos de assombro.
Quando abri o portão ouvi que diziam de mim: -Verme, miserável, gusano, larva...
Mas então eu já estava abençoado e vestia minha capa de chuva. E ocorreu-me que eu podia rir e duvidar. E ri a mais não poder. E duvidar duvidei.

(P. Cruz)

29 março, 2009

Louva-a-deus

O que me fez ser assim,
leve que nem sei de mim,
em fogo com a pele acesa,
bicho fome em natureza,
como louva-a-deus amando a presa?

O que me fez ser assim,
pouco de morte,
instinto, razão,
forte e invencível
como dragão da Disney,
doce e suave como o guri
com fuzil caçando gente
no morro ao lado daqui?

O que agora me faz
ausentar-se em mim,
sem afirmar ou negar desejos,
fúrias,
como se o peito
explodisse
sol de carro-bomba,
como as flores que cheiro
polens rudes de aromas,
pó, aço corte fosse termo?

O que me faz ser assim,
inquieto, controverso,
carregando armas
escondidas em versos,
beijando na boca e mandando
pro inferno?

(P. Cruz)

16 março, 2009

Palavra

Diante de mim
por um triz passou,
e dei-me conta...
imaginem,
essa mulher
é sombra,
nas sombras.

Mas, deixe de conversa fiada
que falar é prata
e o silêncio ouro;
o touro é
arena,
a carne é
mente,
e a boca
é banguela
sem dente.

(P. Cruz)
Febre

Às vezes perguntamos
de súbito:
- Guirlandas e cafés?

- Florestas e perfumes,
crenças e
iconoclastia,
fatos e profecias?

- Sedução e ser,
fome e fatio?

(P. Cruz)

15 março, 2009

Amtrak Blues

Alberta bonita e voz aberta,
aletas afinando o swing.
O crochê trançando o trompete,
acústicos passos do baixo,
acorde cheio notas simultâneas piano,
a vassoura varrendo o pó de estrelas
nas cordas de vísceras em si.

Velha alegria lenta fulga
de sustos e calmaria.
Notas sujas simulando
pixaim louro,
diademas de ligaduras,
claro grave da clarineta
e pentagramas que soam carne,
um improvisado passeio
no meio da tarde.

Coração na linha reta,
filigrana rítmicas e melódica,
carícias de intervalos
aveludados menores,
que cinco cents ásperos
maiores de vinil
negro riscado e pulo
valem sol de ária Alberta.

(P. Cruz)

14 março, 2009

(Aynur Dogan)

Música para Maria Augusta cantar

Tenho um segredo guardado,
não sei se conto pro meu namorado.
Tem um cara que mora do lado de casa
e acho que ele é um mago.
Manda duendes me trazerem jóias bem finas.
Me manda perfumes do Oriente, sedas da China,
violetas e jasmins.

Tenho um segredo guardado,
não sei se conto pro meu namorado.
No jardim do mago de noite tem música
e gente um tanto esquisita...
Uma indiana que toca cítara e canta shiva shivaia,
um gênio de lâmpada belo, limpo e bem arrumado,
que tem fogo nos olhos e doce nos lábios.

Não sei se conto pro meu namorado,
que um dia estive escondida na festa do bruxo na casa do lado.
Caí na farra, dancei feliz, até cair e ri feliz por ri (de bobeira).
Não sei se conto que estou meio apaixonada,
pelo cara que tem cheiro e gosto de vinho na boca,
que usa uma máscara negra e do amor é escravo.
Por um cara que quer ser meu namorado
mas, é prisioneiro
na torre do mago.

(P. Cruz)

07 março, 2009

Herança

Algumas pessoas estão mortas,
quer dizer, não nos pertencem,
foram-se e adeus.

Algumas, outras nenhumas,
estarão aí
como se a morte
às conduzissem pela coleira,
na mão da reza.

Desaparecem
e fim.

Com elas vivemos,
onde se movem nos movemos,
donas dos nossos bons sonhos,
esperanças e fortuna.

Por elas morremos,
um pouco de vez,
sem alarde,
anúncio,
em silêncio,
de pouco a cada vez
imperceptivelmente.

(P. Cruz)
Portugal

Vou pra bem longe,
depois do Atlântico
quântico.

Pra sempre.

Uma terra distante o quanto,
esquecida de si.
Quantas
pedras negras às ondas?

Mente torrente mar sem fim e volta,
mente vigorosa,
imantada ao espírito
que pertence ao futuro,
possível,
de vontade e conquistas.

(P. Cruz)

01 março, 2009


Interior

Depois, não vou ver
da minha janela
o vento virar ao avesso
o guarda-chuva
do menino negro
carregando livros.

Da minha janela
não verei mulatas,
pela calçada de sol clara em neve,
arrastando havaianas sandálias.

Não sentirei o sabor
do cipreste
enfeitado de chuva,
ou saberei captar a imobilidade
do trailer preso à árvore,
branco velho de ferrugem,
com as rodas
pousadas,
aros na grama.

Não caminharei com a imaginação
na superfície do papel de bala
atirado janela afora,
203 andar de cima,
pela garota apaixonada
pela florida minissaia
da negra passeando gostosa
com seu cão e sem dono.

Depois, com minha janela
fechadas persianas,
não saberei contar de memória
a vida que acontece lado de fora.
Serei mais triste, virtual, seco,
menos fantasia, pobre humano.

(P. Cruz)

Tortura

Pode o homem posto a ferros,
acorrentado, torturado, usado ao sórdido,
com o coração dado de devorar ao vazio,
visitado pelo medo,
açoitado pela dor,
dilacerado pelo sono,
com o desespero lhe roubando a alma,
a honra retalhada por unhas de ferro, dentes afiados e boca suja,
o corpo pulsando em mãos imundas,
a misericórdia lhe negando trégua,
a crueldade vociferando palavras podres,
a crueldade vociferando palavras
de amizade, amor, calma, dano,
o horror lhe abrindo janelas ao insano
ao insano indizível insano,
pode esse homem, posta de carne, servir ao humano?
O que resta pode ainda ser chamado homem?

(P. Cruz)

18 fevereiro, 2009

Jerusalém em Guerra 07

Permita-me a vaidade de rasgar estandartes de ferro e queimar papéis d’água. A vida é breve como um sopro e o mar da eternidade é de sal e esquecimento. Por veloz momento queimamos e desaparecemos. Abraçamos corpos de ar, beijamos hálitos em espelhos e desejamos o que não nos pertence. Nessa terra a herança é dor e guerra, o que nada justifica. Também não nos livra de culpas. Cada dia é feito de combates, pequenos e grandes pecados, pedaços de tédio, imensas ousadias, risos fechados a zíper, derrotas inesperadas e vez por outra vitória que não vale mesmo um puto furado. E na paisagem tem sempre um muro, tá lá bem erguido, se cai surge um novo. Acaba que a história é sobre muros e sua substância, visto por um lado ou pelo outro, ou por quem fica em cima do muro insistindo que o muro não existe ou é uma construção semântica.

(P Cruz)

11 fevereiro, 2009

Jerusalém em Guerra 06

A boneca de pano tem cheiro de mãos, beijos, de retalhos. No escuro perdeu um botão do vestido pintado de balas coloridas semelhantes a olhos. Só tem um sapato calçado ao contrário, tipo direito no esquerdo. Se não lhe tiram a pilha fica chamando pela mãe que virou moça e não pode ter filhos. Boneca tem cheiro de sótão, flor no cabelo e água de rio, batom e câncer. É que esse maldito impregna raizes nas coisas anos antes de brotar e se abrir em flor. Jara Milena tem cabeça raspada e olhos de medo.

(P. Cruz)

09 fevereiro, 2009

Crina

Que perfume você usa na crina? Cílios postiços você não querida colírio usa na retina, veneno nos lábios demoníacos de anfetaminas? Que fêmea se insinua entorpecida na sua língua ambígua de adrenalina? Na boca amarga de cerveja e endorfinas que gozo físico te sangra os lábios lilases e ruboriza o verde alcalóide dos olhos lívida de heroína? Qual a cor da sua aura, letra de cabala, leite de cabra, chili, inconsciente de Mr. Freud dopado de cocaína? Que shampoo você usa na crina vermelha alquímica que escorrendo sobre transparência branca molha seus seios de ponta taurina? Que amor recorrente a te acorrentar ao inferno algema asas ao calcanhar como má sina? Que voz geme anima de boca a ouvido o sol roubado a cada dia? Você sobe ou cai se o ar lhe falta vôo ou troca a pele da face por medo de ser solitária ou cretina? Que místicos delírios exorcizam a neurose de seus músculos rígidos de dor e movimento no limite proibido entre Édipo e Antígona, puta bailarina? Qual fúria te assola as costas áridas num flagelo sublime de classe fútil? Em que espelho te miras, devastado em cacos por agudo de voz insana, jorrando realidades de deuses sujos e famintos que incorporas em mediunidade lasciva? Que nudez profana na performance de vazios e fome uterina? Que mão então tocaria sua flor de prata e frágil platina, e que cópula de míssil ou fissura de átomo te negaria a ruína, moça argelina?

(P. Cruz)

29 janeiro, 2009

Caliandra

No litoral ermo da Irlanda, numa casa chamada “O Templo da Rosa Alquímica”, de noite os espíritos de homens e mulheres, belos e altos, do Egito e da Grécia Antiga, vem dançar num aposento revestido de mosaicos, com uma grande rosa no teto, imagina W. B. Yeats, poeta simbolista e místico, nascido em Dublin no século XVIII. O céu de chumbo carregado de nuvens, montanhas úmidas verdes de musgo, mar gelado arrebentando contra pedras. O Rei do Mar trazendo tempestade. A Montanha “Shine” onde existe um palácio subterrâneo habitado por fadas. As marcas de redemoinho na areia feitas pelo Rei do Ar enquanto o Rei do Fogo corre do Oriente ao Ocidente, de Norte a Sul, e sereias cantam de dentro do Mar vozes de vento.

Limpo o pó vermelho do vidro do carro. Vejo turvo o cerrado cru, de árvores tortas, secando. O redemoinho furioso leva embora a roupa do varal. Voa meu coração pano e cai. A cerveja tem gosto de terra fria. As três da tarde e o dia já está morto. Insisto em me convencer do contrário. Daí que me vem Yeats na mente, contra esse dia de tempo hiato.

(P. Cruz)

26 janeiro, 2009

Mary Coelho Blues

Jorge “Blues” aprendia a tocar violão. Os dedos longos de pedra, a dificuldade física em tecer movimentos firmados na mente. O som tosco e dolorido do aço na carne e na palheta. Tateava tocar uns blues, alguns caetanos, músicas cifradas de revistinhas tipo o melhor das paradas, os sucessos da vez, as dez mais tocadas.
Tentou ensaiar portunhol ainda em Sampa. Dava de levada um inglês meio descolado e pasme até um guarani com sotaque piracicabano, juro. Criava próprias e sentidas histórias musicadas, que pertenciam quase à fumaça de cigarro e ao gosto travo da cana engolida com cacos de mágoas juntados vida afora.
Dizem que encontrou o diabo na encruzilhada do Congresso com o Palácio do Planalto. E que vendeu a alma a troco de um gole e passagem para o Missipi. Morreu de dor no coração antes de ir embora com os sapatos furados, fotografia do cachorro “King” no bolso, o chapéu panamá todo estiloso e lenço branco no paletó de risca de giz ganho numa aposta - acho que sobre a chuva derramar ou não no cerrado, num dia de céu claro em que até as sombras se escondiam do calor e secavam lágrimas nas pedras escaldantes de agosto.

(P. Cruz)

24 janeiro, 2009

Vida

Meu amor contradito
é por putas velhas,
tristes,
de tetas murchas
e olhares cansados.

Então, que minha amante
é uma “bella” puta triste,
parida de ventre seco,
pele áspera ferida
e sonhos comprados com rímel.

Isso não quer dizer
que essa digna velha
de boca vermelha
e fita de vento no cabelo
não seja um amor válido
ou que não tenha momentos de
voluptuosa sobriedade.

É um amor feito de escarros, reconheço.
Um beijo de hálito violeta
que lembra a vida que escorre
e o tempo que esqueceu sua hora.
Lábios com gosto meio de sono e cigarro,
onde palavras há muito deixaram de ser
necessárias
e juras de amor meio que futilidades.

(P. Cruz)

16 janeiro, 2009

Não há honra no amor

O que é um homem, meu caro amigo, senão o medo de si mesmo?
A calma pronunciada no silêncio do coração sobre o mar da ira em obtusa mágica de silêncio.
Ventos sem som.
Vagas sem som.
Dores de areia, coral, cacos de recife, sal, ondas em fogo.
A luta é a de cada secular dia buscando a disciplina do equilíbrio e da indiferença apaixonada enquanto o mar ruge.

(P. Cruz)