26 janeiro, 2009

Mary Coelho Blues

Jorge “Blues” aprendia a tocar violão. Os dedos longos de pedra, a dificuldade física em tecer movimentos firmados na mente. O som tosco e dolorido do aço na carne e na palheta. Tateava tocar uns blues, alguns caetanos, músicas cifradas de revistinhas tipo o melhor das paradas, os sucessos da vez, as dez mais tocadas.
Tentou ensaiar portunhol ainda em Sampa. Dava de levada um inglês meio descolado e pasme até um guarani com sotaque piracicabano, juro. Criava próprias e sentidas histórias musicadas, que pertenciam quase à fumaça de cigarro e ao gosto travo da cana engolida com cacos de mágoas juntados vida afora.
Dizem que encontrou o diabo na encruzilhada do Congresso com o Palácio do Planalto. E que vendeu a alma a troco de um gole e passagem para o Missipi. Morreu de dor no coração antes de ir embora com os sapatos furados, fotografia do cachorro “King” no bolso, o chapéu panamá todo estiloso e lenço branco no paletó de risca de giz ganho numa aposta - acho que sobre a chuva derramar ou não no cerrado, num dia de céu claro em que até as sombras se escondiam do calor e secavam lágrimas nas pedras escaldantes de agosto.

(P. Cruz)

Um comentário:

Anônimo disse...

Um tanto ficticio, mas muito realista.

L...