29 janeiro, 2009

Caliandra

No litoral ermo da Irlanda, numa casa chamada “O Templo da Rosa Alquímica”, de noite os espíritos de homens e mulheres, belos e altos, do Egito e da Grécia Antiga, vem dançar num aposento revestido de mosaicos, com uma grande rosa no teto, imagina W. B. Yeats, poeta simbolista e místico, nascido em Dublin no século XVIII. O céu de chumbo carregado de nuvens, montanhas úmidas verdes de musgo, mar gelado arrebentando contra pedras. O Rei do Mar trazendo tempestade. A Montanha “Shine” onde existe um palácio subterrâneo habitado por fadas. As marcas de redemoinho na areia feitas pelo Rei do Ar enquanto o Rei do Fogo corre do Oriente ao Ocidente, de Norte a Sul, e sereias cantam de dentro do Mar vozes de vento.

Limpo o pó vermelho do vidro do carro. Vejo turvo o cerrado cru, de árvores tortas, secando. O redemoinho furioso leva embora a roupa do varal. Voa meu coração pano e cai. A cerveja tem gosto de terra fria. As três da tarde e o dia já está morto. Insisto em me convencer do contrário. Daí que me vem Yeats na mente, contra esse dia de tempo hiato.

(P. Cruz)

26 janeiro, 2009

Mary Coelho Blues

Jorge “Blues” aprendia a tocar violão. Os dedos longos de pedra, a dificuldade física em tecer movimentos firmados na mente. O som tosco e dolorido do aço na carne e na palheta. Tateava tocar uns blues, alguns caetanos, músicas cifradas de revistinhas tipo o melhor das paradas, os sucessos da vez, as dez mais tocadas.
Tentou ensaiar portunhol ainda em Sampa. Dava de levada um inglês meio descolado e pasme até um guarani com sotaque piracicabano, juro. Criava próprias e sentidas histórias musicadas, que pertenciam quase à fumaça de cigarro e ao gosto travo da cana engolida com cacos de mágoas juntados vida afora.
Dizem que encontrou o diabo na encruzilhada do Congresso com o Palácio do Planalto. E que vendeu a alma a troco de um gole e passagem para o Missipi. Morreu de dor no coração antes de ir embora com os sapatos furados, fotografia do cachorro “King” no bolso, o chapéu panamá todo estiloso e lenço branco no paletó de risca de giz ganho numa aposta - acho que sobre a chuva derramar ou não no cerrado, num dia de céu claro em que até as sombras se escondiam do calor e secavam lágrimas nas pedras escaldantes de agosto.

(P. Cruz)

24 janeiro, 2009

Vida

Meu amor contradito
é por putas velhas,
tristes,
de tetas murchas
e olhares cansados.

Então, que minha amante
é uma “bella” puta triste,
parida de ventre seco,
pele áspera ferida
e sonhos comprados com rímel.

Isso não quer dizer
que essa digna velha
de boca vermelha
e fita de vento no cabelo
não seja um amor válido
ou que não tenha momentos de
voluptuosa sobriedade.

É um amor feito de escarros, reconheço.
Um beijo de hálito violeta
que lembra a vida que escorre
e o tempo que esqueceu sua hora.
Lábios com gosto meio de sono e cigarro,
onde palavras há muito deixaram de ser
necessárias
e juras de amor meio que futilidades.

(P. Cruz)

16 janeiro, 2009

Não há honra no amor

O que é um homem, meu caro amigo, senão o medo de si mesmo?
A calma pronunciada no silêncio do coração sobre o mar da ira em obtusa mágica de silêncio.
Ventos sem som.
Vagas sem som.
Dores de areia, coral, cacos de recife, sal, ondas em fogo.
A luta é a de cada secular dia buscando a disciplina do equilíbrio e da indiferença apaixonada enquanto o mar ruge.

(P. Cruz)