31 dezembro, 2010


Scapegoat



Belos brincos moça. Fio e aço?

Na poesia pessoas não são

Pessoas, mas coisas. Substâncias,
Assim como se narra. Como datas,
Lugares, tempos
Não acontecimentos.
Fantasia, imaginação, espaço
De dentro,
Átrio.

- Como? Fale mais alto. Não consigo ouvir. Sim. Não.
Morreu? Eu disse sou incapaz com palavras.
Amá-la? Não ocorreu.
Ódio? É. Penso que palavra basta.
Adeus? Não precisa flores. Lacônico, eu? Feri os lábios.
Quando tentava o frio e frases eram granizo e fogo.
Não tenho dinheiro já. A chave deixei embaixo da escada
Perto do degrau quebrado onde sabe. Não. Não consertei. Nem
Minha vida. Nem o horror de folhas outono na sacada.
Dúvidas? Carrego todas. Tatuagens? Não de guerra.
Nem sonho.

(P. Cruz)

22 novembro, 2010



Fé é a medida do homem

Medindo o desconhecido,

Tão severa de números

Quão aguda em ceticismo.


Mas, sem a alegria,

O que é do futuro

Que nada conhece?

Ou da morte

pouso de enigmas?

Ah homem, não creia

Que sem leveza

Se atine tino,

Nesse peso e tributo

De corpo e mente em conflito.


Cuide que da vida

Só se leva pro nada

A memória do riso,

Poesias e amigos.


(P.Cruz)


Vazio


A tristeza se agarrou a mim

Como roupa.

Pele de sol num dia cinza.

Roupa de festa

Em praia com chuva.

Roupa molhada palavras secas.

Roupa rasgada em dia de gala.

Pele áspera em dia de seda.


A tristeza se aninhou em mim

Como cama

De ferro e pedra num dia de nuvens.

Resto de feto

Que não desgruda.

Resto de cheiro saudade parida.

Resto de gosto em beijo frio.

Flores secas em folha de livro.

(P. Cruz)

03 outubro, 2010

Política

A esperança vence o medo?
Nesta terra de triste degredo
A esperança vira medo.

O zulu bate ainda o chão do terreiro.
Asas inertes poetas
Confundem o vôo em permeio,
Relêem o fim pelo meio,
Dizem do belo o feio.

Amor, ódio, cobiça?
A cana dura do vício,
A cava puta da rima,
A vara de canha medida
Mede a honra em varejo.

Triste sina
Dizem céticos deuses.
Triste troça
Dizem lógicos gregos.
Triste dança da morte
Dizem no Ganges os sábios.
Triste zen da mente,
Dizem mestres chineses.
Triste peça, a da política,
Sem moral no enredo.


(P. Cruz)

26 agosto, 2010

Nuvem

Assisto a morte dos blogs. Blog é uma coisa como relacionamento, com prazo para acabar. É meio um animal que se replica e depois se devora cuspindo filhotes. Ou como árvores petrificadas, mato, capim, planta no vácuo. Muitos já parecem cidades fantasmas perto de garimpo sem ouro. Outros casas abandonadas vazias com poeira e bolor de bites. Alguns causam a sensação de que são sítios arqueológicos, com ossos à amostra e cacos de cerâmicas vazando impressões e sentimentos velhos sacralizados. Uns dois me dão tristeza visitá-los com seus relógios de parede parados em hora e dia de cansaço. Outros, em estertores, teimam em desfiar sua agonia lentamente. Poucos são eternos e neles se cristaliza um momento de razão e dor. As janelas com figuras sem movimento e música ficam lá paradas esperando num clique ganharem vida. Não me causa espécie observar os sinais vitais em pulso rítmico curioso, de exato simulacro de vitalidade. Nem me repulsa seus corpos em indecorosa pose mortuária em público. Impudicos, desnudos, sem saco para soldado morto em batalha ou traficante abatido em morro. Morrem e ficam lá onde não sei e ninguém parece saber, e dizem que é uma nuvem dessas bestas que ninguém sabe se vira chuva ou céu invisível.

(P.Cruz)

27 julho, 2010

Carro, container, carroça.

Um dia sem vaga e estacionei meu carro perto de um container amarelo de lixo, desses que ficam fora dos prédios de apartamentos, já prontos para o caminhão. Depois, de cima do apartamento do meu irmão, vi uma carroça feita de papelão e madeira puxada por um cavalo, parada diante do capô do carro. Dentro do container três meninos sujos pegavam lixo e entregavam para a mãe em pé no fundo da carroça. Outra criança barriguda se aninhava no seu colo, se agarrando forte.
Meu carro tem não sei quantos cavalos de força e tecnologia em termo bruto excludente. Pois bem, tentei numa equação simples justificar minha consciência: tantos cavalos de força para mim, um cavalo magro para cinco famintos, algo deve estar errado nessa equivalência moral. Exercício fútil diante da incapacidade de compreender e agir. Amar para o cristão é partilhar, dividir, amparar, abraçar, acolher. Nesse dia eu estava ausente do meu coração, da humanidade cotidiana possível, da bondade, da decência, da consciência esclarecida que justifica a vida.

(P.Cruz)

13 julho, 2010

Microcontos

1.
Atravessei o jardim com o leão ferido. Deitou, morreu. Meu pai calou o dia. Limpou arma. Olhou no oco do cano.
2.
Deserto rumo a Meca. Noite de volta à Jerusalém. Homens na imobilidade estúpida da guerra.
3.
Fugindo apressado de casa, tropeçando nos mendigos agasalhados de solidão. Roçaram minha dor física.
4.
A cobra no semáforo sibilou aos guardas. O cego ouviu medo no coração do cão guia.

(Pedro Cruz)

05 maio, 2010

Cabala

Nos teus olhos há tempos de pausas e sons soando arco-íris. Nuvens de múltiplas cores, sol translúcido, cama de relva e folhas sonoras perfumadas de sono. Há narguilé âmbar, piteira de ouro e fumaça de números pela sala em forma de imensas borboletas. E palavras escritas na parede em letras vermelhas de fogo e carvão em breu.

(P.Cruz)

15 abril, 2010

Conto

Conheci João Magro de cócoras contando história nos costados da venda. Eu pirralho de calças curtas e suspensório todo bonito. João fumando palha na prosa com os conterrâneos de Minas. Eu perto curioso ouvindo. A história era de acontecença em vila pequena, por conta de Manoel Maluco um folgazã matador que podia querer, quando bem querer, e tomar na força o que cobiçava. No caso em questã Lia, mãe dos meninos Josué e Jacó, que por linda se tornara lenda, nessas palavras se exprimia. Evidente que se sabia das cruelas do Manoel que eviscerava incontáveis vítimas e a polícia o atinava louco varrido não lhe bulindo desatinos. Ocorre que, no domingo em que Deus descansa, o maluco tomou a casada de arroubo e se acoitou, a desfrutar prazeres, no divã da casa velha do general morto de solidão. O judeu por marido, de olhos baços, foi dar na Igreja do padre Pedro em missa. Interrompida as litúrgicas honras, de confissão pública rogou ao padre que por justeza lhe desse lei. O padre, homem de ira e fogo santo, tomou o arreio na mão e se foi, com o povaréu atrás, rumo ao Manoel Maluco. Entrou na casa de calhas caídas e fustigou sem dó o desavergonhado que de louco só tinha a luxúria nas entranhas. Saíram pela porta, um nu o outro na alva sacerdotal veste. E foi surra justa, mesmo divina, no Judas que fugiu covarde e desapareceu. Lia envolta pelo abraço fraterno do padre foi entregue ao judeu que agradecido mandou taça de ouro pro sangue do conterrâneo preso na cruz salvaguardas. Claro que o Judeu resolveria o caso de outro modo, acrescentou o João de cócoras, todos disso tinham sabença exata. Mas o que haveria de ser do judeu na polícia, e Lia e os meninos na fome e necessidades seculares outorgados feudos de misérias. E findo o cigarro se levantou e a passos largos se foi desengonçado pras cabeceiras do rio onde tinha pouso.

(P. Cruz)

21 março, 2010

Conexão psíquica

Eros minotauro, tânatos Guantánamo.
Escuridão de Borges, super-visão de Clark Kent.
Fellini no trem acompanhado do espírito do peyote, cervo correndo no árido México. (Take)
Assassinato ritual nas torres de Manhattan.
Ossos de cão colados,
na parede como fósseis.
Política é a possibilidade de se validar a conquista violenta pela ameaça velada.
A nota do piano, antes da última, tem que soar suspensa entre o suspiro da morte e a virgindade rompida sem surpresa.
Me paga uma dose? Só tenho trinta dinheiros inteiro. Trinta contos, uma bolsa velha e forca nova.
Tom Ford pode ser esteticamente exato e frívolo. Prateleira de supermercado.
Não aforismos de Daniel Piza, bala n’agulha de Barbara Gancia, pontes de Talese, Lily Allen na roça da Chanel, ou Ruy Castro botando o rei no palco. O Ford Fusion é o cão mijando na roda.

(Pedro Cruz)