26 abril, 2009

Lago Paranoá

Pássaro azul que voa no espelho do lago
num dia de enfado.
Pássaro no meu copo de cristal e gelo
num dia de tédio e desvelo.
Azul de ave na blusa dela,
pássaro nos olhos em duplicidade
de partenogênese.
Azul ave contra nuvem
é trovão e raio no lago repentino
de pele eriçada soprada por vento frio,
ondas nervosas quebrando espelho,
dissolvendo o azul em chumbo.
Pássaro azul que voa, não caia, por favor,
não caia.
Não agora que o lago encrespa áspero
e pode estilhaçar asas.
Não és albatroz nem pelicano,
gaivota nem mergulhão ou anjo,
nem invencível azul de pássaro.
Não caia.
Não faca n’água rompendo
o silêncio do vento, não caia
nesse repente de alento
zero.
Pássaro azul cuida que a água
é robusta afiada pedra. Fagulha.
Azul de nave não caia chumbo nesse
contorcionismo esquisito de parafuso
sem preâmbulo de novo planar
alto de outros planos e rotas
de vôo.
Avião pássaro avião azul de pássaro
avião suba, arremeta de vôo seta ao céu
não ao chão
de água em fogo, ferro, explosão.
Pássaro azul não caia nesse desvão
de espíritos em revoada de morte
e escuridão.
Pássaro anjo nessa queda inexpressiva
do céu ao inferno banido
por deus do paraíso
rumo ao fogo do petróleo em combustão,
água que inflama a tarde de eterno pesar avião,
não caia.

(P. Cruz)

21 abril, 2009

Milagre

Milagre é nome de flor,
hortelã,
alcachofra, romã,
graviola, cravo,
maçã.
É nome de pai, filho,
irmã,
menina mãe
moça na roça
de ray-ban,
sandálias havaianas,
calça de lycra,
barriga nua
e ‘walkman’.
Milagre é sol
de toda manhã,
silhueta de nuvens
cobrindo casas.
É seu nome nas pedras,
sua voz nas plantas,
sua ausência no afã das horas,
seu cheiro na pele da lã.
Milagre é divagar no divã
ouvindo a droga do Freud,
na mente a nudez de Iansã,
a ânsia lânguida de me estirar
num bordo de praia
com o corpo de vento e brisa,
a mente insana in corpore
sano.

(P. Cruz)

15 abril, 2009

Barbie Brasília (2)

Por mais que não queira
brincar com o estojo de maquiagem,
vestidos de Barbie,
a mansãozinha no lago,
a egotrip movida a antidepressivos,
bulímica, magérrima,
cruel com o espelho,
chorando escondida no banheiro.

Por mais que queira guardar
na valise negra dólares falsos,

sonegados,
andar de bike na Júlio Adnet,
cotar o quanto

vale o coração
na bolsa, a alma
em velocidade contra
o sinal fechado
crachhkcaboooummzuumbaanng!!!!
(Estilhaços.)
Por mais que não queira
voar de encontro
ao poste vermelho
do semáforo.

(P. Cruz)
Dono da Barbie

Por mais que não queira
fazer papel
de palhaço (estilhaços – zummm... crack)
é um pobre diabo,
fadado ao sucesso mágico,
seu destino é o topo mais top
o céu de aço,
a presidência do Conselho,
enquanto escondido se olha
cruel no espelho,
chorando só no banheiro.

Por mais que queira
não ser é um
pobre diabo podre de rico,
com o coração no semáforo,
dentro da lata destroçada,
no espelho da Barbie
em cacos,
no olho da perda
irreparável,
recolhendo os pertences
espalhados no caos do carro
prestes de ser guinchado
pro nada do asfalto.

(P. Cruz)

07 abril, 2009

Negra

Morango avelãs e amoras
alvéolos bicos doces
negros, “nipples” tesos.

À gosto te gosto,
provo ocre pétala sal
vale em meio a morros.

Agridoce, lambidas ávidas,
boca à boca rente
entranhas, fomes, dentes.

(P. Cruz)
Lei

A mulher Noite veio a mim com seu conto de sombras e sorriso de ébano... Trazia na coleira de estrelas um cão de olhos brilhantes e um colar de almas - diamantes incontáveis como poeira cósmica. Deu-me um bracelete e uma semente.
A semente atirei aos corvos e ao arcoíris que brilhava nas suas asas.
O bracelete guardo pra dama púrpura que me chama de esquecimento.
Quando as margaridas se abriram no meu diário de estatísticas e probabilidades, e o acaso determinou que não seriam flores, mas vento, um mestre parvo trouxe minha luva e falcão condenado ao vôo.
Foi então que Michael me gritou com asperezas, espadas e rosas, e tornei-me perplexo, se algo assim se torna.
De modo que estou no que passa a se perder na história, e escorre na pedra e pousa à flor d’água como negra flor alquímica de branca a azul e multicolorida - a qual dei nome de asas de beija-flor.
Ouvi o choro do recém-nascido envolto em linho branco e pousei-o no colo da mulher Noite - que lhe deu o leite das galáxias em fogo e indicou-me a porta do céu além da qual era preciso que eu me desse a desejos, amores e disciplinas axiomáticas. Assim defini a Lei:
- A Lei carece de senso!
O menino largou de imediato o seio e colocou o indicador da mão esquerda sobre os lábios num gesto de silêncio e o cão da Noite arrastou a corrente e olhou-me com olhos de assombro.
Quando abri o portão ouvi que diziam de mim: -Verme, miserável, gusano, larva...
Mas então eu já estava abençoado e vestia minha capa de chuva. E ocorreu-me que eu podia rir e duvidar. E ri a mais não poder. E duvidar duvidei.

(P. Cruz)