Consideração sobre a raça
Alguns dos meus antepassados foram negros. Os de canelas finas que eram bons e rápidos no trabalho. E dóceis. Angola, Moçambique, Kabinda não
sei. Vovó, bisavó sem passado sem memória, linha seccionada no tempo.
Outros antepassados europeus. Holanda e Espanha.
Portugueses, judeus e índios.
Dos judeus eu tenho o senso. De Holanda minha irmã tem pele.
De Portugal temos a dor indefinível do fado. De Espanha o cheiro do pó toscano, touros e o fio
mourisco de espadas curvas. Dos índios a hora da chuva, a pajelança, a nudez
sem pêlo.
Mas, a alma dos negros está enterrada sob minha pele
profundamente, coberta de cal. Sob a terra negra da memória e a cal branca da
violência. Branca pra negar a origem. Negra pra esquecer a história. É um
aprendizado cultural, uma educação cultural, uma disciplina cultural. Negar a
raça, negar a cor da pele, negar a herança. Negar a alma da raça que habita e não
habita. Que sente e não sente que vive e não vive. Que geme e não geme.