28 dezembro, 2008

Jerusalém em Guerra 05

Sempre haverá judeus
como há palestinos,
como a letra míssil
e a sentença de morte risível,
pedras lançadas no aço
pedras lamento no limo.

Sempre haverá Wall Street
como há Etiópias,
como o instante luz
e a fotografia,
a roda veloz
e maldita sangria.

Sempre haverá Marilyns
como há Hillarys,
como o sol morto de dia
e sombras no escuro,
estrelas mortas e frias
e humor de negro uso.

Sempre haverá o amor
como há o caos,
como o ritmo longo
e silêncio do Tao,
a pausa do fogo
e vento da guerra.

(P. Cruz)
Faca

Agora estás aí à míngua
marginal,
franco atirador de sílabas,
louco ateador de medos,
mísero arlequim de lábios negros.

(P.Cruz)

21 dezembro, 2008

Salto Agulha

Ela finalmente está livre
com seu arco-íris de arame.
Pra amar, dançar, pensar
parcas pouco práticas,
inspiradas,
controversas idéias.

Finalmente só,
como veio ao mundo.
Pra escolher sem amar
da maneira antiga que quiser
seu par.

Hoje ela está legal
com o ciclo menstrual,
leve sem tensão, incômodos,
cólicas ou dor de desespero.
Livre de lamber filhotes,
já não quer
migalhas de céu
pra ser gente.
Queimou véus,
mandou pro inferno
os idiotas absorventes.

Cortou o rabo-de-cavalo numa tosa crua só,
quebrou no pó o salto alto agulha,
limpou da boca vestígios de nódoas duras,
estilhaçou a ponte entre abismo e rua,
e pôs um peitaço de dar inveja.
Eles que explodam, esbraveja.
- Quero que se fodam,
todos os caras do universo!

(P Cruz)

20 novembro, 2008

Sim, não, talvez.

Tudo começa com um crime
e termina em beijo,
ou termina em crime
onde no início
beijos.

(Pedro Cruz)


Janelas

Quis desenhar janelas
e pipa com linha tesa no vento,
aquela longe minha
que rebentou
l

i

n

h

a
quando a janela abriu
num sopro só assombro.

(Pedro Cruz)

07 novembro, 2008

Jerusalém em Guerra 04

(Tel Aviv-São Paulo)

Ulisses sentado na borda da banheira navegava no barco de papel à deriva. A água se ia em torvelinhos. Um homem calvo e enorme dentro do armani negro, calçando tênis prateados sem cadarços. Encheu de novo a banheira. Compulsivamente pela nona vez. Coração vazio e mar imenso: Jara Milena. Retirou o relógio, a aliança de ouro, o hexagrama pingente no cordão de ouro, mas não a gravata.
Sem lágrimas.
Por esses tempos só restara a carta, nada de e-mails.
O barco de amor era um adeus, ideogramas rupestres. Letras indefinidas se desfazendo em tinta.
Desdobrou novamente a folha buscando o perfume da carta. Milena distante. O bruto do chanel. Na banheira a gilete escorregou mergulhando fundo deixando por rastro um fio vermelho.
Milena e Tel Aviv.
Tietês inundados e raios.
Agosto. 1992.
São Paulo.


(P. Cruz)

Instantâneo Tempo

Joguei uma pedra
no escuro do poço.
Joguei uma flor
no bueiro aberto de som oco.
Joguei um punhado de terra
na cova aberta inda pouco.
Joguei um coringa
na mesa de pedra, bem morto.

Joguei tua echarpe
como pena ao vento, rota.
Joguei uma semente
no xaxim e a cobri com pó de folhas.
Joguei pra fora
da casa toda louca tralha.
Joguei os teus olhos
na solidão da lua fosca.

Joguei moedas de prata
ao vagabundo de braço toco.
Joguei pro alto
toda dor, desespero, desgosto.
Joguei o som da viola
com o vento roçando teu rosto.
Joguei com a timidez
e bebi tua boca sedento e louco.

(P. Cruz)

04 novembro, 2008

Consciência

Com que o homem deve se confrontar?
Com sua consciência.
Com que o homem prefere se confrontar?
Não há julgamento moral cabível. O desejo, o medo de morrer, a fluidez da vida que se dissolve diante dos olhos como névoa, substância dos sonhos.
O que o homem deve à vida?
A dor física. A dor da ausência. A dor dos parentes. A dor da ausência da força física. A dor da ausência de alguém indefinível. A dor da falta de coragem. A dor da doença. A dor do medo da morte inevitável. A dor moral, a esfera da alma. A dor da ausência de transcendência. A dor do espírito. A ausência do bem no coração pela não expressão dos anseios essenciais de solidariedade e compreensão.
O que o homem deve sacrificar ao espírito?
TUDO.
Tudo o que lhe é mais caro. Seus demônios íntimos gerados no trabalho com a matéria física. Seus anjos talhados na pedra dos desejos mais legítimos.
Deve em sacrifício seus minerais alquímicos, como o fósforo da combustão da ira, o cálcio da solidificação do ódio, o mercúrio rubro da violência. Uma ironia, idiossincrasia. Como diz um velho preto: - a vida é pra gente grande. Para um bom entendedor um pingo é um pingo sobre uma letra ou ponto, a não ser que não se trate de letras como dizia o velho judeu Abuláfia.
Por isso, se recomenda aos que buscam que relembrem Thomas de Kémpis: a exemplo do judeu antigo, entrem no tabernáculo íntimo e orem ao Eterno em silêncio...
Não pretendo ser difícil de digerir, isso como um gracejo aos modernos desta terra de árvores vermelhas, que definem tudo como canibalismo antropomórfico. O resto é o sofrimento e redenção humana e só, ou filosofia de almanaque como diz meu velho mestre de silêncios.

(P. Cruz)

01 novembro, 2008


Jerusalém em Guerra 03

(Jerusalém-São Paulo)

Do réptil vermelho enrolado teso no tronco do semáforo, de cujos olhos escuridão cintilavam fogo e ira, ninguém nada sabia. Não existia catalogado nos livros de psicologia junguiana alquimista. Não sibilava aos cães em fúria dos guardas. Solidificou-se como caduceu no poste de ferro no instante em que ouvi no celular o adeus de Jara Milena. Depois fui ao trabalho com minha armadura armani. Chovia.

(Muro dos lamentos)

Soquei os punhos na parede de pedra que era o teu peito. Bati até as juntas adormecerem. Sovei até não me restar forças. Sua base se perdia dentro da terra, sólida e invencível. Jurei Ulisses voltar um dia. Também pedra e combater pedra a pedra.

(P. Cruz)

22 outubro, 2008


(Nova Delhi)

Mas você não disse
que seu porto e mar
sem sol é quase
um dia triste?

Que sua poesia
de prosas sem cordas
ao vento
era quase covardia?

Que sua faca
dentro do livro sem
páginas e mágicas
era quase uma confissão
sem crime?

Que sua medalha de guerra
manchada de sangue,
e seu lenço de seda
manchado de lágrimas,
era quase um modo
de calar meia verdade
e dizer falsas mentiras?

Que sua unha pintada
quebrada em cacos,
partida em nuvens,
enrolada em linhas,
mergulhada na dor,
era quase tardia
lúcida mania
de inverter o mundo
como quem se esvai
sem se dar rosas,
pedaços da noite
sem música, dança,
reza, silêncio,
sem unhas arranhando
a cara do dia?

Você não disse
que ardia o fogo
onde o mar em ondas
molhava o sol
de triste agonia?

Você não disse
que hoje queria
Londres, Nova York,
Nova Déli,
novamente outra cidade,
quase rua, mapa,
sonho, mente;
quasares, nova lua
cheia de becos
e portas pintadas
de vermelho?

Você não disse
que eu era um negro
poeta ao avesso
que apaga versos
em vez de lê-los?

Ou você não lembra
que disse
que a cor do seu cabelo
era pra combinar
com os olhos
cobertos por óculos
de diamantes escuros?

Pois me lembro
que você disse
que botões de ferro
na jaqueta de folhas
quando bate o dia
parecem pássaros pousados
ou ferimentos de guerra
por onde raios de sol
aquecem seu coração
durante a noite mais fria?
Pois não lembro
o que você não disse,
o que você insiste
em silêncio,
que entre palavras,
nas entrelinhas,
no subtexto,
no contexto do sentido,
o sentimento diz
o que deve não ser
dito,
e nega o que deve
ser calado
ou apenas no coração
ser sentido?

(P. Cruz)

21 outubro, 2008

05 ago 2000
fiz assim esta poesia pobre para Sir Alec Guinness, mas ele mal sabe que existo (acabado coitado...) e que sou simulacro de mim, enquanto atiro bolinhas de miolo de pão aos pássaros na Praça dos Três Poderes, com as chinelas enormes que uso pra dormir e aquecer os pés no frio, e o pijama com palhaços vermelhos e letrinhas coloridas bordadas.

rudes sombras andam
de cá pra lá
a espantar moscas
dos olhos dormidos
do Quaresma
a cismar se sou
verbo, adjetivo,
delírio varrido
de gente vaidosa
em ato falho na coxia
a exigir aplausos
e flores,
ou o riso banguela
da piada suja
sem rima.

(P.Cruz)

19 outubro, 2008


Jerusalém em Guerra 02

Os meninos mergulham no barro vermelho e água da chuva, mais tarde cimentam o amor na pele da pedra bruta que é a vida. Seria necessário uma estaca no coração para se darem conta de que o amor chegou e isso tem preço impagável.
Os meninos se banham no soro da terra. Alguma mulher absoluta irá selar seus lábios de desejo e memória.
Eles, os meninos lobos, rasgam com presas de diamantes a carne das velhas mentiras, trocam a beleza das máscaras por rugas imberbes e por um céu fácil perdem o grito da alma no escuro da sorte.
Os meninos brincam de roer ossos e cartilagens no ferro do asfalto; de atirar nos pássaros disfarçados de virgens; de fugir pela lateral em direção ao gol com um tiro de efeito mágico. Eles certamente morrerão nas mãos da polícia, ou no aço contorcido e afiado dos carros em cacos, ou numa briga de bando. Depois serão esquecidos. Pó, lama, farrapo.
Os meninos aprendem rápido na concentração das metrópoles a dar a face do próximo à ira ou qualquer sentimento besta de justiça.
Depois se sobrevivem são domésticos, indomáveis, loucos, medo, perigosos, machos...

(Pedro Cruz)

11 outubro, 2008

Emet

Nada de urgência me toca.
Nem doces cortes de zippers.
Nem nano rastro de chips,
aberto clip no iPod,
boca do dia
aberta com fome
de carne, grooves,
baixos e cornetas
agudas ferindo subgraves.

Nada me apavora.
Nem unha na carne.
Nem costura no corte.
Nem tatuagens
em viva carne exposta.
Nem meias, cinta-ligas,
língua cortando raivosa
rimas nas coxas de ópio,
seios, lábios, boca, palavra imprópria.

Nada me amedronta.
Nem sua pele lambida
como se curar ferida
fosse deleite
não regra da vida.

(Pedro Cruz)


Mini Conto 02
Jerusalém em Guerra 01

Estou indo. Como um cão acorrentado que roendo o aço criou asas. Desculpe-me por não manter as aparências de portão fechado. Minhas vidas ficaram largadas no trono vazio, são jóias falsas. Agora vôo fugindo do cerco à cidadela incendiada. Deveria ser um simples desertar do campo de batalha de uma guerra insensata de ambas as partes. Não a fuga de uma cama de beijos traídos e moedas de fome - cara e coroa de amor e ódio.

(Pedro Cruz)


Iron Man

Minha pele é água,
doce salgada,
áspera elétrica,
Electra e Matte Murdocck
desenhados
na superfície.
Meus tolos medos,
desses todos súbitos
segredos.

Minha pele é gelo.
Palavras liquefazendo-se
pelos e signos,
células e pedras,
íons, imãs,
Iron Man
no céu da lua,
pele de ferro,
líquido frio
amargo,
pele nua.

(Pedro Cruz)

23 setembro, 2008


Mini Conto 01

- Sabe aquela menina que gritava ao microfone palavras obscenas que por acaso rimavam?
Odiava o pai. Saia com todos os caras, todas as taras.
Dentro dela uns cachorros estavam em guerra.

- Sabe do garoto que ganhou um sax dourado, botões de madrepérolas? Aprendeu escalas, marcar tempos no pulso do coração. Mas a música não causava o mesmo prazer que exibir-se para as garotas com sua poderosa clave. Elas o achavam o máximo. Cansei. Deixei-o à má sorte de fama, drogas e sentimentos em estilhaços. Tem coisas que não se aprende. Nem hoje nem sempre.

(Pedro Cruz)

I Ching

Joguei três moedas no ar,
vai saber se você me ama.

Joguei por seis vezes as três,
seu amor no hexagrama.

Vai saber ser yin ou yang,
vai saber que você sem saber
no futuro me ama.

(Pedro Cruz)


(Presságios)

Pedi à minha terapeuta
que formulasse
uma aparição mágica,
que me curasse
de crua insônia,
mas seu dogma
era quase mentira insana.

Pedi ao músico de rua
que tocasse sua história,
que me ensinasse
a amar amando,
mas seu canto
parecia rubricas de presságios,
gotas d’água no nada pingando.

Pedi ao meu santo
proteção e benção,
que me livrasse
de mandinga e quebranto,
mas ele me mandou à festa
dizendo que reza não se faz rezando.

Balas perdidas roçaram
minhas cortinas
na calma do dia
abatendo leopardos
pintados, nigerianos,
então que planos são mapas
e o real é mais pro lado do espanto.

(Pedro Cruz)

16 setembro, 2008

Van Gogh
“- Girassóis! Ouvi o pintor sem orelha gritar de dentro do mar.”
Eu estava no convés a escrever ditados.
“- O que tens a dizer em tua defesa mar maldito?
- Por que te cala quando se exige tua palavra de céu?
- Vento, por que não rasgas as velas amarelas do sol?
- Sol, quem te amarrou as asas presas à pele do mar?
- O que sussurras entre silêncios, ave da morte?
- O que queres dizer desse sangue de cordas coagulado nas mãos, marinheiro tempo arrastando pela areia o navio do deserto?
- Sono, não roubes a pena que colhi na China enquanto um anjo era chicoteado no pátio das culpas pelo leve descuido de perder ouro das asas.
- Escriba, por que talhas na pedra leões a suplicarem por águias e vôo?
Como mantive o silêncio, insistiu com voz de urgência:
- Escriba insano, viu o jardineiro que se embriagou de cores e se fez escravo da vida e senhor da morte?”

(Pedro Cruz)

05 setembro, 2008


(De novo você)

Bobagem,
novos filósofos preferem a dança,
novos santos performance,
poetas multimídia concretos, arame,
as mulheres novos versos e belos panos.

O rock velhas estrelas cinqüentonas,
a política guerra sempre e sangue,
a arte persona e valores na conta,
seu novo médico deus e muita grana.

Os psiquiatras novos xamãs e fórmulas,
os agentes econômicos novas velhas apostas,
a moça um virtual namorado,
os novos cientistas caos, clones e acasos.

Eu de novo te procuro, lábios, nudez, reentrâncias,
mas nada antes é como era sempre,
lânguida pele, língua, ritmos, dança.

(Pedro Cruz)

01 setembro, 2008

Tortura

A partir da divulgação das prisões secretas americanas, transformadas em laboratórios de tortura, vale um fato óbvio. Do lado que nos cabe - neste latifúndio que se chama Brasil - merecemos respeito, afinal também torturamos, e muito.

No passado, pretos, escravos, índios e judeus expatriados - negados à acolhida respeitosa. Há alguns anos, por diferenças políticas, torturamos médicos, filósofos, escritores, músicos, estudantes, artistas, religiosos. No presente a tortura é menos seletiva, invisível e menos óbvia. Tipo pobre em cadeia, meninas estupradas e seviciadas - com a indiferença do Estado - garotas escravas em casas de patroas malucas, garotos do tráfico por facções rivais, e um resto de miséria que justifica nossa barbárie e insolúveis diferenças culturais e sociais. Faz parte do show.

Assim é simples assim. Somos bárbaros. Dúvida? Não temos idéia de nossos pequenos e endiabrados atos cotidianos, silenciosos e injustificáveis.

Tomando emprestado ao Hélio Pelegrino, nossas diferenças podem ser levadas a extremos e ainda assim as justificaríamos. Persiste atual o espírito da tragédia grega - por uma bela Helena somos todos gregos e troianos. A crueldade é mãe de nossas doenças, que não se curam com prozac, esctasy, viagras, anestésicos psíquicos ou congêneres.

Agora, justificar atrocidades com leis e embasamento jurídico-religioso é remetermo-nos de volta às cavernas. É aceitar o fanatismo, intolerância, ódio, percurso tribal de extermínio, genocídio, posse territorial, exercício desumano do poder, infâmias e covardias. Isso vale para nós tupiniquins ou gringo ‘cara-pálida’ de qualquer espécie.

O homem é senhor de seus atos e deve ser responsabilizado pelo Estado civilizadamente constituído, justo e humano! Se o Estado é conveniente com torturas é criminoso - citando o que se diz por aí a boca grande. O que é muito sério e requer reflexão acurada, sem concessões ou complacência.

Não há lições morais neste texto, mesmo que se insista que sim. A constatação mais imediata é que vivemos numa época de pesadelo e horror. É só se colocar no lugar das vítimas. Pense na criança numa cadeia cheia de marmanjos enlouquecidos de ódio e testosterona. É de sangrar o coração.

(Pedro Cruz)

México

Se o amor bater a porta na minha cara
fico de cara amarrada,
não faço a barba, não como ou durmo direito
e de desejo na boca seco me amargo.

Se me virar às costas e sumir rua afora
fico mal com a vida,
não faço unhas no nervo da carne,
mas arranho a voz
até que sangre em silêncio, sem alarde.

E se me der um chute
fico a ver navios,
miragem no deserto,
não bebo e me enrolo
feto sem cama
dormindo em mágoas, quieto.

(Pedro Cruz)

21 agosto, 2008

Rainer Maria Rilke

Recebi, hoje, notícias de Rute. Que vindo de Aquitânia trazia bons vinhos e livros antigos de poesias. E um raro que descrevia os lábios e corpo de Alinor possuídos por Henrique enlouquecido de amor.
Dizia minha amiga que a vida sem um bom vinho é desprezível; que as horas sem o fardo do amor são inexpressivas; e que a morte por amor é a mais triste.
Ela trouxe para que eu ouça: Mozart, piano e orquestra número nove em mi maior.
Fiquei pela noite aturdido me fazendo inconfidências e traduzindo o invisível em meu caderno de ventos se desfazendo grafite.
O sol do dia aberto em poesias se despetalando na noite como incongruências mal resolvidas.
Bem tarde liguei pra Rute. Contei-lhe, de um só fôlego e ânsia, sobre o antepassado de Rilke (nas linhas decodificadas por Cecília Meireles) se lançando com o estandarte sobre o fogo rumo às armas dos “perros turcos”. E do cavaleiro francês com uma rosa presenteada pela noiva, guardada escondida e seca no peito, trazendo ainda o cheiro distante do amor. Ela me pediu que eu lesse a poesia dos cavaleiros tristes. Quando acabei pediu que eu lesse de novo, o que fiz com voz embargada. Por fim desligamos em silêncio, sem despedida ou palavras corrompidas.
O sol de setembro varando cortinas pesadas da noite com raios quebradiços de vidro.
Hoje a noite é eterna e intraduzível.

(Pedro Cruz)

26 julho, 2008

Sonhos

A água escorre pelo vidro da janela. Lá fora carros escorrem na via - expressa deslizando sobre a água da chuva. Às vezes nos deslocamos assim, rápidos, na substância dos sonhos. Somos vôo e voar, pensar e estar, ser e sentir, acordar, dormir e acontecer.
Campos de flores transparentes, margaridas do tamanho de sóis, girassóis imensos, sorrisos enormes num céu aberto de verão. A voz do rio cantando nomes que rolam sobre as pedras que as lavadeiras embranqueceram e amaciaram.
Um homem que se lembre de fitar a palma da mão enquanto sonha desperta dentro do sonho. No mundo de Morpheus as regras são tênues. O Omã da Pérsia que trocou seu reino por um Sonho se fazendo Deus não pode mais dormir pois o Universo se destruiria.
Esse é o Caminho do homem acordado dentro do Sonho que acontece dentro de sonhos.
Um homem se sonhou borboleta imaginando-se homem. Outro acordou inseto lembrando que era escritor. Um negro ‘teve um sonho’ na América e acordou com um tiro no peito. Assim me deito pra sonhar e do meu coração o broto da rosa arrebenta para a luz e seus ramos buscam flores de ouro.
Alguns preferem sono sem sonhos. Pressentem algo que nos escapa.
Já me seduziram para sonhar colorido em cores extremamente vivas. Hoje sonho com o leão ferido que atravessa comigo o jardim do mosteiro. É imenso, quase bate no meu ombro, mas não me amedronta. Chego ao portão de ferro que delicadamente se abre sem toque. O felino se recusa a ir além. Acordado penso em Jung e seu ‘daimon’ que lhe instruía à beira do lago próximo à torre circular que construiu com as mãos. Não se deve temer sonhar.

(Pedro Cruz)


Justiça

Com que sonha João-ninguém, imperador do lixo, jogado sujo em seu castelo de papelão podre, à sombra do hipermercado vinte e quatro horas por dias, semanas, meses e anos à fio com máquinas devorando dinheiro e sonhos dos escravos por consumo?
De vez em quando anda pelo bairro empurrando um carrinho de supermercado cheio de nada, tralhas, contendo tudo. Gritando prá qualquer um na rua sua raiva de esfomeado, de tantas brutas fomes que estão prestes a se tornarem insaciáveis por uma eternidade.
João, que tem por súditos uma multidão de zés-ninguéns, que habitam nos vãos dos viadutos de Brasília, cidade que dorme em berço esplêndido tendo lânguidos sonhos de drogas, corrupção, morte, traição, celas em hotéis de luxo e paraísos fiscais invioláveis.
João de “deus” a deus-dará com sua corte de revés jogada na sarjeta, relento, várzeas e esgotos, comendo o pão que o político amassa, o juiz assa, o banqueiro deixa apodrecer e o sacerdote-pastor oferece como milagre de multiplicação e remissão de pecados.
João sonha com justiça e espero que esse sonho amanheça ao seu lado e vá para as ruas gritar justos e rudes impropérios que se façam ação, transformação e realidade, e acorde os Senhores da Corte fechados em seus palácios de merda.

(Pedro Cruz)

08 julho, 2008

Palavras do Lobo:

“O Brasil é um pé de pau que é minha cruz e nau.”

“O sol é o manto do pavão.”

“Se a luz no assoalho de espelhos refletir o Divino em metamorfoses de imagens e letras, o que será da criada que não limpou e poliu o chão direito? Pensamento da Soberba.”

(Pablo Lobo)


05 junho, 2008

Persóna, face, rosto, papel.

Deletei todos os e-mails da atriz que riscou na minha noite insônia. Todos os lacônicos mails compostos de monossílabo. (Ela é uma persona que se foi prá dentro das páginas do livro que esqueci aberto sobre o vidro negro da minha estante). Depois fui à minha lista de contato e apaguei seu endereço. Sou muito passional, às vezes não me reconheço, eu um cara assim tão pacato.

Depois, chamei silenciosamente seu nome. Não de qualquer jeito. Deixei que se desgarrasse dos meus lábios e fugisse para a noite.

Tomava um vinho siciliano. Com aromáticos blues de Billie Holiday, uma ponte longe demais. Não li Nietzsche, mas tentei escrever seu nome alemão sem conseguir. No entanto, o nome da atriz era fácil ser dito. É que sou meio assim: num instante possuído. Não por qualquer cara, bocas, risos, lábios. Vejo luz onde há opacidades. Sou mágico.

Intentei rápido uma ação mais imediata e necessária. No celular deletei nervosamente seus números. Ela que ligasse. Ela que escrevesse letras frias. Isso decorre em julho. Frio pra burro. Sou feito de abraços.

As mulheres que desejei, de certo modo passional, foram imaginadas em abraços breves e furiosos, na tentativa de apagar seu rosto de minha memória.

Então converso cá com meus vazios: cara, você sente as coisas intensamente, não seria adequado se intentar cartesiano? Fernando Pessoa deveria lhe insinuar um velho e bom porto. Seria o vinho? Se a lua é negra crie um céu claro que lhe defina contornos.

Sei que ela não vai ligar ou mandar notícias do Chile, para onde foi buscar o mundo. E não vai saber o quanto odiei e amei sua noite de fábulas, vanilla, morangos, amoras, amigos e tigres no tapete. Pra certas coisas sou indefeso, confesso.

Honras a Descartes: a feiúra e velhice são esteticamente exatas. Isso quer dizer nada.

Espero. Espera inútil. Bem sei. Ou nada sei. Se ela ligasse seria ótimo. Eu lhe falaria que um homem é feito de fúrias ou nada. Nesses tempos de dubiedades isso poderia parecer pretensioso. Mas, fui talhado à moda antiga. Minha mente pertence ao futuro. E essas coisas são assim: história de fúrias negadas; um vir a ser que não é; horas feitas de anos; noite de sombras. E isso vale esta maldita insônia.

(Pablo Lobo)

13 maio, 2008

ZAZEN

Perguntei, certa feita, a um alfarrabista acostumado à questões sem respostas, qual era a resposta?

- Não lembro a pergunta, minha mente está cansada de especular sobre respostas que são perguntas e perguntas que não encontram respostas.

Insisti ainda:

- O que é consciência?

Quedou-se o alfarrabista em silêncio e enfado.

Acho que era a melhor resposta a se tornar pergunta.

(para Borges)ente est?

ta acostumado

12 maio, 2008

Bhah! Vírgulas.


A causa da latência do sol na pele da rã na orquídea à flor d’água da terra sob os pés do homem tapando o sol sobre os olhos fitando a coxa da moça descalça na pedra do rio a saia lavanda a ponta do pano de renda na lama debaixo do cesto de frutas cheio de cheiros que imantam pássaros vermelhos azuis pousados no amarelo da árvore sinuosa refletida na água esmeralda onde peixes brincam de cores pegar folhas e flores que lentas caem ao fundo lá onde um anel diamante e ouro lastima sonhos, planos, amores.

(Pedro Cruz)

06 maio, 2008

BEIJO

Outro dia assisti novamente “Beleza Americana”. No filme um pai procura o vizinho - suposto caso amoroso do filho - e o beija na boca em desespero paterno de amor equivocado ou traído. É um beijo sórdido como alguns beijos masculinos podem ser. Como os beijos rotos dados nas mãos dos poderosos, machos alfa, como sinal de submissão e falta de pudor.

Dos beijos mais comuns e desajeitados entre homens há o na face. Esse beijo que pode conter veneno, insídia e falsidades. Um beijo vulgar quando não traz o laivo do amor, da sinceridade, da amizade. Desnecessário citá-lo como o beijo dado entre mafiosos ou entre judeus se traindo, o que lembra Judas.

E entre mentiras e beijos há o beijo da morte, o mais das vezes com sabor de arrependimento. Um beijo permitido entre vivo e morto. De despedida. Um beijo frio que no entanto queima os lábios como fogo. O beijo extremo entre homens. Não deve ser falso. Lembra-nos que podemos ser fraternos enquanto vivos, leais e honestos enquanto humanos, conservando diferenças e disputas no terreno do respeito mútuo. Às vezes pode ser um beijo amargo. Um veneno pra alma
.


(Pedro Cruz)

29 abril, 2008


Mente
A borboleta é asas e voo. Se não voasse se chamaria pedra. Assim pedra é borboleta que não voa. O voo pedra no ar, em movimento. As asas faíscas da pedra em atrito com o ar. O ar ausência da pedra. A pedra o peso do ar sem asas.
A mente é asas e voo. Se não voasse se chamaria inércia. Assim inércia é mente que não voa. O voo é mente em luta de não inércia. As asas o que nega à inércia substância. A substância da mente é inércia da pedra se fazendo asas, intentando o voo da razão.
(Pedro Cruz)

24 abril, 2008


Venho de Tempos Antigos

Hilda Hilst


Deus pode ser a grande noite escura
E de sobremesa
O flambante sorvete de cereja.

Deus: Uma superfície de gelo ancorada no riso.



Venho de tempos antigos. Nomes extensos:

Vaz Cardoso, Almeida Prado

Dubayelle Hilst... eventos.

Venho de tuas raízes, sopros de ti.

E amo-te lassa agora, sangue, vinho

Taças irreais corroídas de tempo.

Amo-te como se houvesse o mais e o descaminho.

Como se pisássemos em avencas

E elas gritassem, vítimas de nós dois:

Intemporais, veementes.

Amo-te mínima como quem quer MAIS

Como quem tudo adivinha:

Lobo, lua, raposa e ancestrais.

Dize de mim: És minha.


Texto extraído do encarte à edição de "Cadernos da Literatura Brasileira", editado pelo Instituto Moreira Salles - São Paulo, número 8 - Outubro de 1999.

Saiba tudo sobre a autora e sua na página "Biografias"

23 abril, 2008

Isabela e gatos


Meus gatos ficam na janela

do apartamento

no 6º andar

cobiçando pássaros.

Olhando através da tela,

rede plasma plástica,

o mundo

a queda

o sangue.

Cobiçam o vôo,

o canto

a ave

agilidade

e gravidade ausente.

Meus gatos olham

a Praça da Liberdade,

com unhas agudas

armadas nas patas,

olhos inteligentes.

Tramando fugas

e

q

u

e

d

a

s

l o n g a s.



(Pedro Cruz)


18 abril, 2008

O mito moderno recria-se sobre o mito antigo, mesmo que revestido de novas significâncias. Ainda temos os mesmos e velhos deuses (da guerra, do céu, dos raios). Mas a partir de eventos históricos que superam os eventos de ordem natural, como a bomba atômica, a genética, as mídias, e a abrangência do domínio da linguagem escrita, não necessariamente nessa ordem, o mito moderno recria o homem moderno como um deus possuidor de todos os absolutos. Hoje o homem cria e interpreta seus mitos pela visão caótica das mídias. Os mitos hoje são mais reais do que nunca, mas totalmente destituídos de sacralidade, mistérios e redenção.

(Pedro Cruz)


14 abril, 2008

Et Músicos
Músicos querem aparecer. Músicos querem às vezes desaparecer. Mas não são mágicos.

No palco se equilibram de maneira exata e precária. Malabaristas, saltimbancos, mas não equilibristas. Como a música não os torna sóbrios, tropeçam nos pés de pano e como folhas ao vento, em vôo de embriaguez, pousam no colo da sedutora princesa que apresenta programas de TV. Num dia são amados, noutro levam um fora escrito em guardanapo de pano ou um “Não” riscado numa foto como autografo às avessas.

Sempre ouvimos suas queixas chatas, de que querem privacidade pra chorar no banheiro sem serem incomodados. São humanos demais. Sensíveis em demasia.

O banco da praça pode ser um álibi para não voltarem pra casa cedo enquanto roubam palavras dos bêbados e as transformam em flores; ou enquanto roubam beijos da diarista e os embrulham em sonhos; ou mesmo enquanto roubam do palhaço a mulher e a vestem de rainha.

Músicos são perigosos.

Suas palavras podem verter um rio de lágrimas ou desaguar risos de palavras.

Podem ser o Rei Momo na madrugada de quarta-feira de cinzas esperando com a fantasia rota, num ponto de ônibus vagabundo demais, enquanto a alegria lhe nega carona para o trabalho.

Músicos são pessoas tão comuns. Muitos medíocres. Alguns geniais. Pássaros de festas e poesias.

Cantam versos. Controversos. Erram rima, riscam, rabiscam, e se tem senso são tão destituídos de senso que a verdade deles acaba sendo nossa. E então, somos seus donos de mentira, por um momento, antes que o show termine, o dono do bar apague as luzes, feche as portas, e empurre todos de volta pro dia-a-dia.


(Pedro Cruz)


08 abril, 2008

Nome, blog e imbróglio

Para alguns que me perguntam sobre "O Dia do Diabo" esclareço que é o título do meu terceiro livro a ser editado brevemente. Palavra Solta é o nome deste blog e nome do meu último livro, mudado por mudar como o vento vem aqui e vai pra acolá ao sabor das palavras.....

O Dia do Diabo (3)

fragmento......

"Mas isso que conto é causo, lenda, conversa de gente ao derredor do fogo, à luz do lampião, ou quando se reúnem os amigos para afiar o fio da memória, entre um gole e outro, entre a fumaça do cigarro de palha e do cachimbo, entre o cheiro do café e da broa, nos velórios entre a lembrança do morto e o sonho em que se lançam as almas tirando um cochilo na cama de terra." (Pedro Cruz)

O Dia do Diabo (2)

(páginas arrancadas)


Hoje eu dançaria com os

ciganos se minha casa

fosse um jardim.

Mas lá fora chove,

sempre chove.

Assusta-me as pessoas

não se molharem enquanto

sonham o sol

e andam rumo

ao destino

como se estivessem numa fila

de Banco para sacarem

sonhos que não compram

vida.

Mister, você pode ver

com que cara de felicidade

pisam flores

como se andassem no mármore

do shopping.

e o brilho nos olhos,

por detrás dos óculos negros,

como se o amanhã lhes pertencesse?

O Dia do Diabo...

um pedaço do livro Dia do Diabo (Pedro Cruz), inédito....

(páginas arrancadas)

"Caro Senhor Johnny Depp,

minha sala está nua

e da janela vejo

o arco-íris na manhã.

(Espere um pouco, preciso

fechar a porta por dentro

caso ela queira voltar

e retirar a escada que

vai dar no céu)

(BINÁRIO HAI KAI)

bela ela não se sabe

no espelho das águas no shopping

o 'ping' é só ar japa

no som do Bob Marley.

(Pablo Lobo)


(HAIKAI)

ela não se sabe bela

no espelho das águas do shopping

o 'ping' tem aquarela

com jazz de janis joplin.

(Pablo Lobo)