30 agosto, 2014



Portugueses

Sob a lua prata aves criptografadas - números e letras - voam imóveis em silêncio,
Vácuo.
O raio rubro ricocheteia, acende no coração da pedra palavra urdida em pontos, retas,
Curvas.
O cheiro alecrim no alumínio.
Corre o garoto
Grego
Sem pálpebras olhos, guiado por músculos nervos matemáticos de rumos obtusos, quinas e elípticas que tangenciam a armada noturna portuguesa.
São portugueses os salteadores noturnos. Contumazes de bocas velhas de úmidos axiomas e enfado.
São os portugueses a luz do noturno raio sob lunar aurora que antecipa mediana a noite ao pé do meio dia,
Palavras.


(P. Cruz)

24 março, 2014


Hoje é sábado e meu pai está vivo. Sua voz soa no vento. O coração contra nuvens é raio que corta o véu da chuva. Hoje não é o dia dos mortos adormecido no pouso seco da flor sobre o pó da estiagem em língua de fogo.
Agora posso bater à porta, entrar em silêncio e ouvir a melodia efêmera do sol nas cortinas da sala. A casa está cheia de vozes que não soam, de cheiros que pertencem ao vazio, de lembranças que rodopiam em transcendência, de risos que ricocheteiam nas pedras da memória.
Ananda, o que vê no jardim? É meu pai em pé? Ou pó misturado à chuva? O vão da sala, o portal da varanda, o bruto da pedra, a sombra da árvore florida iluminando o sol que se ausenta?
Casa do real, cômodos de portas cerradas e fotografias perdidas no quarto contíguo ao fim do mundo. Nesse silêncio as vozes falam de amor em sussurros, de alegrias em sorrisos tímidos, de medos entre dentes, de dor em gemidos abafados, de esperanças em monólogos duros, de amizade em grave pausa.
Ananda, o que vê além de impermanência e desejo? Hoje é quanto tempo?

(Pedro Cruz)

27 julho, 2013


Consideração sobre a raça

Alguns dos meus antepassados foram negros. Os de canelas finas que eram bons e rápidos no trabalho. E dóceis. Angola, Moçambique, Kabinda não sei. Vovó, bisavó sem passado sem memória, linha seccionada no tempo.
Outros antepassados europeus. Holanda e Espanha.
Portugueses, judeus e índios.
Dos judeus eu tenho o senso. De Holanda minha irmã tem pele. De Portugal temos a dor indefinível do fado. De Espanha o cheiro do pó toscano, touros e o fio mourisco de espadas curvas. Dos índios a hora da chuva, a pajelança, a nudez sem pêlo.
Mas, a alma dos negros está enterrada sob minha pele profundamente, coberta de cal. Sob a terra negra da memória e a cal branca da violência. Branca pra negar a origem. Negra pra esquecer a história. É um aprendizado cultural, uma educação cultural, uma disciplina cultural. Negar a raça, negar a cor da pele, negar a herança. Negar a alma da raça que habita e não habita. Que sente e não sente que vive e não vive. Que geme e não geme.

(P. Cruz)

08 julho, 2013

Rude

Creio na poesia vento de palavra.
Ignora que números sempre mentem?
Ele substitui o hiato por signos
Entre degraus caminha-se no ar.

Creio na música pássaros em silêncio.
A mente não se limita ao cérebro unicamente.
O que ele se descreve no singular?
Língua no palato tem som de vacuidade.


(P. Cruz)


29 abril, 2013


Harab

Olha o navio marinheiro
Olha o navio marinheiro.
Balança pra cá
Balança pra lá.
Balança nas ondas
Balança no mar.

Olha o Hahab marinheiro
Olha o Hahab marinheiro.
Arpoa pra cá
Arpoa pra lá.
Baleia nas ondas
Baleia no mar.

(P. Cruz)

31 março, 2013



Adaga

Novo corpo para o ventre da terra
É novo amor a vestir pele velha
Novo sorriso para boca banguela
Novo sentido e nenhuma ideia.

Ira velha em abraço de ócio.
Velhos ardis não tecem nervos expostos.

Velhos beijos sabor de novo ódio
É nó recente atando enforcado em corda
Prisão velha agasalhando novos códigos
Novas línguas vertendo veneno precoce.

Sonhos velhos pesadelos de agora.
De novo o velho envelhece e finge que morre.

(Pedro Cruz)

18 setembro, 2012

Ama,
sabe que ama
e anda
em sombras.

Pois o amor é fogo
escuro,
Ilumina claros.
Inconcluso.


 (P. Cruz)