01 março, 2009


Interior

Depois, não vou ver
da minha janela
o vento virar ao avesso
o guarda-chuva
do menino negro
carregando livros.

Da minha janela
não verei mulatas,
pela calçada de sol clara em neve,
arrastando havaianas sandálias.

Não sentirei o sabor
do cipreste
enfeitado de chuva,
ou saberei captar a imobilidade
do trailer preso à árvore,
branco velho de ferrugem,
com as rodas
pousadas,
aros na grama.

Não caminharei com a imaginação
na superfície do papel de bala
atirado janela afora,
203 andar de cima,
pela garota apaixonada
pela florida minissaia
da negra passeando gostosa
com seu cão e sem dono.

Depois, com minha janela
fechadas persianas,
não saberei contar de memória
a vida que acontece lado de fora.
Serei mais triste, virtual, seco,
menos fantasia, pobre humano.

(P. Cruz)

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