29 outubro, 2009

Pássaro é árvore

Encontrei um pássaro em agonia caído no chão da varanda de inverno. Chocou-se contra a janela. Suas asas vestidas de sangue e vidro. Esvaia-se no ladrilho colorido em mosaico de geometria em cacos; iluminado pela luz que escorria do contorno vazio da forma moldada no vidro estilhaçado - facho em foco - sólido cheiro de sangue.

Um pássaro negro que eu desconhecia. Quase feto rompido do ovo, mesmo que em aparência não o fosse. Um borrão no chão, letra quase ideograma, talhe rupestre, signo jungiano, quase folha negra que tentasse a vida em estertores cômicos. Lenço negro caído do traje bege de linho gala do senhor francês que pinta negras. Faixa de luto caída do braço do velho escravo liberto com seu terno amarrotado cheirando a navio e mar.

O pássaro a morrer. Coração pulsando em extremo, fugindo da calma da morte.

Tomei-o nas mãos com cuidado. Abriu as asas tantalizando vôo inútil.

Meu gato observava por detrás de óculos enormes de aros sem lentes.

Morreu.

Plantei-o no jardim e todos os dias rego seu tronco de carvalho que voa ao céu, inusitada árvore. É meu totem, pacto com o inesperado. Árvore-pássaro que de noite, nos sonhos, decifra aves, vôo e sementes.

(P.Cruz)

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