20 novembro, 2008

Sim, não, talvez.

Tudo começa com um crime
e termina em beijo,
ou termina em crime
onde no início
beijos.

(Pedro Cruz)


Janelas

Quis desenhar janelas
e pipa com linha tesa no vento,
aquela longe minha
que rebentou
l

i

n

h

a
quando a janela abriu
num sopro só assombro.

(Pedro Cruz)

07 novembro, 2008

Jerusalém em Guerra 04

(Tel Aviv-São Paulo)

Ulisses sentado na borda da banheira navegava no barco de papel à deriva. A água se ia em torvelinhos. Um homem calvo e enorme dentro do armani negro, calçando tênis prateados sem cadarços. Encheu de novo a banheira. Compulsivamente pela nona vez. Coração vazio e mar imenso: Jara Milena. Retirou o relógio, a aliança de ouro, o hexagrama pingente no cordão de ouro, mas não a gravata.
Sem lágrimas.
Por esses tempos só restara a carta, nada de e-mails.
O barco de amor era um adeus, ideogramas rupestres. Letras indefinidas se desfazendo em tinta.
Desdobrou novamente a folha buscando o perfume da carta. Milena distante. O bruto do chanel. Na banheira a gilete escorregou mergulhando fundo deixando por rastro um fio vermelho.
Milena e Tel Aviv.
Tietês inundados e raios.
Agosto. 1992.
São Paulo.


(P. Cruz)

Instantâneo Tempo

Joguei uma pedra
no escuro do poço.
Joguei uma flor
no bueiro aberto de som oco.
Joguei um punhado de terra
na cova aberta inda pouco.
Joguei um coringa
na mesa de pedra, bem morto.

Joguei tua echarpe
como pena ao vento, rota.
Joguei uma semente
no xaxim e a cobri com pó de folhas.
Joguei pra fora
da casa toda louca tralha.
Joguei os teus olhos
na solidão da lua fosca.

Joguei moedas de prata
ao vagabundo de braço toco.
Joguei pro alto
toda dor, desespero, desgosto.
Joguei o som da viola
com o vento roçando teu rosto.
Joguei com a timidez
e bebi tua boca sedento e louco.

(P. Cruz)

04 novembro, 2008

Consciência

Com que o homem deve se confrontar?
Com sua consciência.
Com que o homem prefere se confrontar?
Não há julgamento moral cabível. O desejo, o medo de morrer, a fluidez da vida que se dissolve diante dos olhos como névoa, substância dos sonhos.
O que o homem deve à vida?
A dor física. A dor da ausência. A dor dos parentes. A dor da ausência da força física. A dor da ausência de alguém indefinível. A dor da falta de coragem. A dor da doença. A dor do medo da morte inevitável. A dor moral, a esfera da alma. A dor da ausência de transcendência. A dor do espírito. A ausência do bem no coração pela não expressão dos anseios essenciais de solidariedade e compreensão.
O que o homem deve sacrificar ao espírito?
TUDO.
Tudo o que lhe é mais caro. Seus demônios íntimos gerados no trabalho com a matéria física. Seus anjos talhados na pedra dos desejos mais legítimos.
Deve em sacrifício seus minerais alquímicos, como o fósforo da combustão da ira, o cálcio da solidificação do ódio, o mercúrio rubro da violência. Uma ironia, idiossincrasia. Como diz um velho preto: - a vida é pra gente grande. Para um bom entendedor um pingo é um pingo sobre uma letra ou ponto, a não ser que não se trate de letras como dizia o velho judeu Abuláfia.
Por isso, se recomenda aos que buscam que relembrem Thomas de Kémpis: a exemplo do judeu antigo, entrem no tabernáculo íntimo e orem ao Eterno em silêncio...
Não pretendo ser difícil de digerir, isso como um gracejo aos modernos desta terra de árvores vermelhas, que definem tudo como canibalismo antropomórfico. O resto é o sofrimento e redenção humana e só, ou filosofia de almanaque como diz meu velho mestre de silêncios.

(P. Cruz)

01 novembro, 2008


Jerusalém em Guerra 03

(Jerusalém-São Paulo)

Do réptil vermelho enrolado teso no tronco do semáforo, de cujos olhos escuridão cintilavam fogo e ira, ninguém nada sabia. Não existia catalogado nos livros de psicologia junguiana alquimista. Não sibilava aos cães em fúria dos guardas. Solidificou-se como caduceu no poste de ferro no instante em que ouvi no celular o adeus de Jara Milena. Depois fui ao trabalho com minha armadura armani. Chovia.

(Muro dos lamentos)

Soquei os punhos na parede de pedra que era o teu peito. Bati até as juntas adormecerem. Sovei até não me restar forças. Sua base se perdia dentro da terra, sólida e invencível. Jurei Ulisses voltar um dia. Também pedra e combater pedra a pedra.

(P. Cruz)