22 outubro, 2008


(Nova Delhi)

Mas você não disse
que seu porto e mar
sem sol é quase
um dia triste?

Que sua poesia
de prosas sem cordas
ao vento
era quase covardia?

Que sua faca
dentro do livro sem
páginas e mágicas
era quase uma confissão
sem crime?

Que sua medalha de guerra
manchada de sangue,
e seu lenço de seda
manchado de lágrimas,
era quase um modo
de calar meia verdade
e dizer falsas mentiras?

Que sua unha pintada
quebrada em cacos,
partida em nuvens,
enrolada em linhas,
mergulhada na dor,
era quase tardia
lúcida mania
de inverter o mundo
como quem se esvai
sem se dar rosas,
pedaços da noite
sem música, dança,
reza, silêncio,
sem unhas arranhando
a cara do dia?

Você não disse
que ardia o fogo
onde o mar em ondas
molhava o sol
de triste agonia?

Você não disse
que hoje queria
Londres, Nova York,
Nova Déli,
novamente outra cidade,
quase rua, mapa,
sonho, mente;
quasares, nova lua
cheia de becos
e portas pintadas
de vermelho?

Você não disse
que eu era um negro
poeta ao avesso
que apaga versos
em vez de lê-los?

Ou você não lembra
que disse
que a cor do seu cabelo
era pra combinar
com os olhos
cobertos por óculos
de diamantes escuros?

Pois me lembro
que você disse
que botões de ferro
na jaqueta de folhas
quando bate o dia
parecem pássaros pousados
ou ferimentos de guerra
por onde raios de sol
aquecem seu coração
durante a noite mais fria?
Pois não lembro
o que você não disse,
o que você insiste
em silêncio,
que entre palavras,
nas entrelinhas,
no subtexto,
no contexto do sentido,
o sentimento diz
o que deve não ser
dito,
e nega o que deve
ser calado
ou apenas no coração
ser sentido?

(P. Cruz)

21 outubro, 2008

05 ago 2000
fiz assim esta poesia pobre para Sir Alec Guinness, mas ele mal sabe que existo (acabado coitado...) e que sou simulacro de mim, enquanto atiro bolinhas de miolo de pão aos pássaros na Praça dos Três Poderes, com as chinelas enormes que uso pra dormir e aquecer os pés no frio, e o pijama com palhaços vermelhos e letrinhas coloridas bordadas.

rudes sombras andam
de cá pra lá
a espantar moscas
dos olhos dormidos
do Quaresma
a cismar se sou
verbo, adjetivo,
delírio varrido
de gente vaidosa
em ato falho na coxia
a exigir aplausos
e flores,
ou o riso banguela
da piada suja
sem rima.

(P.Cruz)

19 outubro, 2008


Jerusalém em Guerra 02

Os meninos mergulham no barro vermelho e água da chuva, mais tarde cimentam o amor na pele da pedra bruta que é a vida. Seria necessário uma estaca no coração para se darem conta de que o amor chegou e isso tem preço impagável.
Os meninos se banham no soro da terra. Alguma mulher absoluta irá selar seus lábios de desejo e memória.
Eles, os meninos lobos, rasgam com presas de diamantes a carne das velhas mentiras, trocam a beleza das máscaras por rugas imberbes e por um céu fácil perdem o grito da alma no escuro da sorte.
Os meninos brincam de roer ossos e cartilagens no ferro do asfalto; de atirar nos pássaros disfarçados de virgens; de fugir pela lateral em direção ao gol com um tiro de efeito mágico. Eles certamente morrerão nas mãos da polícia, ou no aço contorcido e afiado dos carros em cacos, ou numa briga de bando. Depois serão esquecidos. Pó, lama, farrapo.
Os meninos aprendem rápido na concentração das metrópoles a dar a face do próximo à ira ou qualquer sentimento besta de justiça.
Depois se sobrevivem são domésticos, indomáveis, loucos, medo, perigosos, machos...

(Pedro Cruz)

11 outubro, 2008

Emet

Nada de urgência me toca.
Nem doces cortes de zippers.
Nem nano rastro de chips,
aberto clip no iPod,
boca do dia
aberta com fome
de carne, grooves,
baixos e cornetas
agudas ferindo subgraves.

Nada me apavora.
Nem unha na carne.
Nem costura no corte.
Nem tatuagens
em viva carne exposta.
Nem meias, cinta-ligas,
língua cortando raivosa
rimas nas coxas de ópio,
seios, lábios, boca, palavra imprópria.

Nada me amedronta.
Nem sua pele lambida
como se curar ferida
fosse deleite
não regra da vida.

(Pedro Cruz)


Mini Conto 02
Jerusalém em Guerra 01

Estou indo. Como um cão acorrentado que roendo o aço criou asas. Desculpe-me por não manter as aparências de portão fechado. Minhas vidas ficaram largadas no trono vazio, são jóias falsas. Agora vôo fugindo do cerco à cidadela incendiada. Deveria ser um simples desertar do campo de batalha de uma guerra insensata de ambas as partes. Não a fuga de uma cama de beijos traídos e moedas de fome - cara e coroa de amor e ódio.

(Pedro Cruz)


Iron Man

Minha pele é água,
doce salgada,
áspera elétrica,
Electra e Matte Murdocck
desenhados
na superfície.
Meus tolos medos,
desses todos súbitos
segredos.

Minha pele é gelo.
Palavras liquefazendo-se
pelos e signos,
células e pedras,
íons, imãs,
Iron Man
no céu da lua,
pele de ferro,
líquido frio
amargo,
pele nua.

(Pedro Cruz)